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“Índia teus cabelos nos ombros caídos

Negros como a noite que não tem luar

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Índia da pele morena da boca pequena eu quero beijar”.

Lembro-me como se fosse hoje as inúmeras vezes que ouvi estas frases, desde a adolescência até a fase adulta. Como sendo uma forma de galanteio. Mas não era, nunca foi.

Na verdade, era uma das formas de violência enquanto eu, com os traços bem nítidos e aparentes de minha descendência, sofria. Uma mulher “exótica”, a índia.

A sociedade patriarcal sempre depreciou a figura feminina. Não tão longe de nossa época, ainda há vestígios do pensamento de que a mulher deve servir ao homem, de que seu gênero é inferior.

Se pararmos para puxar à memória, nas grandes dramaturgias e ficções, o homem branco é galanteador, herói, descobridor, enquanto a “índia” é a boba. Em outra esfera, ele é o invasor, destruidor, abusador.

A imagem é nítida e clara: invadiam e queimavam as aldeias e violentavam as mulheres, noutras vezes as levavam para longe.

O fetiche sobre os corpos de mulheres indígenas vem da ideia de servidão, subordinação, como se elas fossem um objeto e o homem branco teria o direito à posse.

Por muito tempo, muitas vozes foram silenciadas.

Atualmente, a liberdade feminina fez com que muitas mulheres pudessem quebrar o silêncio e se rebelar contra este sistema opressor e machista. Mulheres indígenas têm lutado dia após dia, mas a invisibilidade é evidente, pois dentro das pesquisas recentes sobre violência contra a mulher, não há dados e estatísticas “relevantes”. No entanto, ela existe. Mas isto não enfraquece a coragem das mulheres indígenas, hoje a luta dos povos torna-se mais forte com a presença delas, onde demonstram o protagonismo dentro e fora das aldeias.

A mobilização e união de mulheres quebraram diversos silêncios e a primavera de mulheres tem florido, por muitos cantos, inclusive dentro dos territórios indígenas.

A herança violenta dos colonizadores deixou rastros em nossa sociedade, no entanto mulheres indígenas estão reconhecendo seus direitos, sua representatividade e ecoando suas vozes, mostrando resistência e lutando por sua ancestralidade junto à mãe terra.

*Évila dos Anjos é nortista, cabocla da cidade de Belém do Pará. A(R)tivista na vida, pedagoga, atriz, professora de teatro, diretora teatral, palhaça, contadora de histórias, performer e membro fundadora da Cia Nós de Teatro. Desenvolve trabalhos de educação/teatro em projetos sociais, tendo experiências diversas no ramo. Alia a arte à militância, pois uma não caminha sem a outra. Com o tempo e as vivências, aprendeu que a arte é uma maneira de resistência e uma das bandeiras que carrega como forma de conscientização e cura para descobertas e convicções. Mora em Poços de Caldas há seis anos, mantendo as raízes de luta e força dentro dos espaços e da arte, caminhando e seguindo graças a toda ancestralidade que a rege.