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‘Um Urbano mais Humano: militarização ou cidadania?’

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Há tempos penso em falar sobre o medo no espaço público. Medo de andar, caminhar, se soltar e pronunciar um sincero ‘Bom Dia’ ou ‘Boa tarde’ a um desconhecido pelo simples fato de ter passado por ele. Acredito ter falado em outros textos aqui publicados sobre esse tema, mas acredito ser uma urgência falar e debater sobre. Me parece ser um embate de resistência na cidade contemporânea o uso do espaço público ‘do bem’ x o ‘uso do mal’, onde o ‘uso do bem’ seria a vivência plena do espaço público, do simples estar e deleite contemplativo do espaço e suas dinâmicas sociais, do ver e ser visto em contraponto ao ‘uso do mal’, onde a violência te afasta do outro, onde a desconfiança te impede de dar ‘bom dia’ ao estranho, onde o consumo desenfreado te expulsa do banco no passeio.

E sempre ao me deparar com essa dualidade do espaço público, ‘uso do bem’  x ‘uso do mal’,  me lembro de um artigo lido em 2013 em uma das disciplinas de doutorado. Confesso ter sido a leitura mais difícil que já havia feito até então. Eram apenas 5 páginas, mas que me consumiram 4 meses de reflexão para que conseguisse escrever um artigo (exigência da disciplina) sobre ele, e ainda acredito não o ter compreendido em sua totalidade, e suas entrelinhas ainda fazem sombra em meus pensamentos.

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Devo aqui, um agradecimento público ao professor Dr. Marcelo Lopes de Souza, autor do incrível texto, citado acima, publicado no site Passapalavra no dia 03 de dezembro de 2010, e apresentado a mim em 2013. É ainda um exercício diário a leitura do texto de 2010 ‘A “reconquista do território”, ou: Um novo capítulo na militarização da questão urbana. Qual seria o significado das UPPs, no contexto da geopolítica urbana em curso, e que envolve diferentes aspectos?’ , posto que sua contemporaneidade ultrapassa o tempo passado e ainda me incita ao futuro de nossas cidades.

E não tardiamente vou recomeçar a reflexão sobre tais entrelinhas, colocadas pelo professor como a questão do território, onde, com maestria, relê Foucault e a microfísica do poder.

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Ao se referir ao termo “território” como o “aparelho” do Estado e à sua “soberania”, Souza recorre a Foucault e esclarece que todo e cada poder que se exerce, inclusive nas escalas mais acanhadas, ditas “microfísicas”, possui uma dimensão espacial que é propriamente territorial.E ao dizer que a conceituação que Foucault estabelece em relação ao termo território é bastante restrita, Souza(2010) nos leva a refletir e a questionar essa restrição trazendo o termo “território” para se referir ao “aparelho” do Estado e à sua “soberania”.

Essa afirmação que Souza propõe acertadamente [na minha opinião], é o que me leva a reflexão neste texto de hoje:

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É o território o APARELHO utilizado pelo estado a nos manipular entre o medo do espaço público e o mercado da segurança? Estamos subjugados às esferas de comunicação em massa que nos estampa um cotidiano de dores, desonestidades, injustiças sociais, domésticas e públicas a tal ponto de nos transformarmos em prisioneiros em nossas próprias casas, repletas de muros, aparatos de segurança, câmeras vigiando todos os movimentos e encontros no interior dos condomínios, desconfiando de entregadores, de prestadores de serviços que, ate pouco tempo, faziam parte das nossas relações sociais diárias?

Somos mesmo livres? Que liberdade temos e para que ela serve?

Nesta prisão cotidiana, como iremos formar a identidade com o lugar? Qual seria então a relação física, e então territorial com o espaço de vivência diária se desta temos pavor e recorremos às bolhas de proteção como carros, motos e às vezes bicicletas, impondo à velocidade a fuga necessária ao não contato total com o espaço público?

Nesse mesmo território nos deparamos com situações onde a escala é menor, é microfísica, com uma dimensão espacial presente e intensa, e por isso vai para além do “aparelho do Estado” e sua “soberania”, para alcançar ares de identidades indissociáveis do espaço, lugar fundamental para se exercer relações sociais, repleta de conflitos, trocas e uma constante busca por domínio e poder.

Era exatamente esse o caso do Rio de Janeiro no início das implantações da UPPs , lugar de um complexo conflito de territorialidades, onde encontramos interesses econômicos e políticos divergentes por trás, sem contar a presença de milícias ainda atuantes e presentes em territórios de exclusão e de domínios diversos.

Não busco culpados e sim proponho a reflexão, talvez de forma drástica, mas acredito ser necessária a fala desta forma nos dias de hoje.

Talvez seja estranho e até ultrapassado falarmos das UPPs no Rio de Janeiro, mas vou usá-las aqui como um exercício a ser feito de acordo com a cidade de cada leitor que este texto atingir. Peço então que a cada caso coloque a dimensão e a escala adequada a cada situação, mas não deixe de simular, como exercício de reflexão urbana se ao lado de sua rua, ou se no bairro vizinho isso não esteja acontecendo, você discordando ou apoiando como se não houvesse outra saída para a VIOLÊNCIA URBANA, mesmo sendo feita às avessas em seres humanos semelhantes a você.

Medo: um mau conselheiro

Souza alerta que amplos setores da sociedade civil, a começar pela grande imprensa, se mostram crescentemente favoráveis a apoiar, e com cada vez menos ressalvas, a militarização explícita da questão urbana.

Se antes esta era amiúde reduzida a um “caso de polícia”, agora se avança, a passos largos, para torná-la, de maneira plenamente institucionalizada, uma QUESTÃO MILITAR.

O papel da mídia estabelecendo na comoção pela ordem só estimula o que Souza chama de  sentimentos de “estamos vencendo” e dá aos militares e seus aparatos bélicos as passagens para a ocupação do espaço público, invertendo então a definição de cidadania em prol do combate à criminalidade.

A questão urbana está então no campo da militarização e não no sentido de cidade.

Vamos a uma outra questão:

A implantaram das UPPs no Rio de Janeiro como forma de elitização do território municipal, talvez uma ‘cenarização’ que aparece em primeira ordem como uma militarizarão do espaço buscando localizar e atacar lugares estereotipados da cidade. Uma tentativa de limpeza do espaço urbano da cidade mascarado de segurança pública e cidadania… mera ‘balela’ publicitária de convencimento da massa em detrimento da cidadania dos menos favorecidos.

Fig. 1. http://blogdofavre.ig.com.br/2011/01/upp-avanca-pela-zona-norte-do-rio/

“O Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope) vai dar, na manhã de hoje, o pontapé inicial para a implantação de uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) nos morros do Quieto, do Sampaio, da Matriz e São João, que ficam  nos bairros de Engenho Novo, Sampaio e Riachuelo. As favelas ficam juntas ao Morro dos Macacos, que antes da pacificação era dominado por uma facção rival. O anúncio foi feito ontem pelo governador Sérgio Cabral durante a inauguração da primeira agência bancária na Cidade de Deus. Consolidada a UPP nessas comunidades, a previsão é de que, ainda neste semestre, os morros do Encontro e da Cachoeirinha, no Lins de Vasconcellos, ao longo da Autoestrada Grajaú-Jacarepaguá, sejam pacificados. Hoje há 13 UPPs inauguradas.

— É uma alegria para mim ver a UPP chegar a essa região. Viraremos para o lado do Engenho de Dentro. Eu nasci no Engenho Novo, ali perto. É bom saber que o povo daquela região começa, a partir de amanhã, a ter sua UPP instalada. Começamos com Macacos e viramos para o Engenho Novo. Vamos virar para o outro lado, mas não posso falar tanto porque o artilheiro é o Beltrame — disse o governador.” (Texto de Ana Cláudia Costa – O GLOBO publicado no “BLOG DO FAVRE” em 2011.)

Aqui gostaria de chamar a atenção para algumas estratégias de dominação do território juntamente com o convencimento do perigo e do medo da metrópole.

O que ninguém falou foi que favelas e cortiços, áreas mal urbanizadas ou com nenhuma urbanidade, estavam no caminho das estruturas turísticas e de lazer, atém das novas linhas de mobilidade urbana previstas para a Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 na cidade do Rio de Janeiro.

Fig. 2. http://oglobo.globo.com/rio/bandidos-que-fazem-arrastoes-na-zona-norte-agem-nos-mesmos-locais-horarios-2949023

Uma forma de compreensão gráfica, estabelecendo e marcando territorialmente em mapas a posse efetiva do lugar na cidade, tendo o estado, representados pelas forças armadas, como aquele que resgata algo que a cidade legal se sente “dona”, mas que até então não se apropriara. É como se a polícia, armada, estivesse devolvendo às pessoas “da cidade” um território invadido. Existe uma inversão ou um equívoco na compreensão deste lugar.

Moradores das favelas nunca foram forasteiros, ao contrário, são a força de trabalho que não foi absorvida pela produção de moradia do mercado formal e que viu nas áreas de morro desocupadas a única forma de morar. Muito diferente das teorias do “Well fair State” dos EUA, ou as teorias do bem estar social, como historicamente ocorreu na França e na Itália, onde o estado entende a moradia uma questão de direito do cidadão, sendo ele o promotor da moradia.

O que me assusta [ainda] é o grande espetáculo midiático nas invasões à favelas do RJ para a implantação das UPPs, onde nos dias seguintes à ocupação o jornal O Globo denominou de “O DIA D DA GUERRA AO TRÁFICO”.

As imagens veiculadas tanto na mídia televisiva quanto na escrita ressaltam a conquista do território em atos simbólicos, espetacular. Mas me pergunto: como assim conquista do território? Que e qual território, se nas favelas o estado não entra? Não há serviços públicos, não há arte provida pelo estado, nem saúde, nem educação. O que existe nesse território chamado favela é feito por ONGs, pelo solidariedade da população que deseja, exige CIDADANIA, não era promovido pelo estado. Aqui chamo de manipulação da informação. Não se pode reconquistar um território nunca antes ‘seu’, por isso é tão evidente a distância da vida da cidade do asfalto em contraponto à cidade do morro.

Fig. 4 – Policiais hasteiam bandeira no Morro do Alemão: ocupação das favelas e o ato de hastear a bandeira nacional: A reconquista do território’. in revista.construcaomercado.com.br

Era mesmo uma reconquista? Ou uma mera expulsão para que se fizesse uma máscara para o turista ver a cidade maravilhosa do Rio de Janeiro ao se transitar por novas vias estruturadas com rápidos ônibus, em vias rápidas e exclusivas, com cabines climatizadas… ora ora, precisava mesmo era criar um cenário urbano para o turista ver o mais lindo trajeto, sem pobres, sem uma malha urbana degradada, sem favelas, sem ‘feiuras‘ pelo caminho.

A COPA de 2014 e as Olimpíadas de 2016… oportunidades perdidas… dinheiro jogado aos ventos e em COFRES PARTICULARES…

Nada melhor que mascarar o trajeto da mobilidade urbana com cenários urbanos bem cuidados, novos … Novamente uma máscara e uma falácia… o Rio de Janeiro perdeu a oportunidade de se fazer a grande justiça social e urbana, na qualificação de seus espaços públicos para todos, com qualidade urbana e construtiva… Durou pouco… a Vila Olímpica de 2016, já toda destruída e abandonada, os grandes campos de futebol, da Copa de 2014, sem manutenção e em desuso…

E para terminar somente alguns exemplos, como estruturas que resistem e ainda cultuam a cidadania por meio da arte e da cultura.

A QUESTÃO URBANA ou URBANISMO: dialética ou retórica? Em que termos?

Qual o campo?

Diferença clara entre as intervenções locais das UPPs do Rio e a Rede de bibliotecas de Medellin na Colômbia. Enquanto na UPP vemos a militarização do espaço público instalando no território verdadeiros arsenais de guerra para promoção e garantia das questões básicas de acesso à saúde, educação e moradia vê-se em Medellín intervenções claras da produção de espaços públicos formadores de cultura, indutores de qualificação e geração de emprego e renda e onde o desenho urbano é para da indução à qualificação urbana, promovendo cidadania no espaço público.

Fig. 5 – Complexo do Alemão visto durante viagem no teleférico, na zona norte do Rio de Janeiro – Foto: Marcos de Paula/AE http://fotos.estadao.com.br/teleferico-do-alemao-complexo-do-alemao-visto-durante-viagem-no-teleferico-na-zona-norte-do-rio-de-janeiro,galeria,4015,136445,,,0.htm?pPosicaoFoto=4#carousel
Fig. 6- BARNEY CALDAS, Benjamin. Biblioteca de Santo Domingo em Medellín: debate a arquitetura atual na Colômbia. Minha Cidade, São Paulo, 09.097, Vitruvius, aug 2008 <http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/minhacidade/09.097/1881>.
Fig.7-La transformación de Medellín 2000-2007: entre arquitectura de …… de Medellín 2000-2007: entre arquitectura de autor y urbanismo social …medialab-prado.es
Fig.8 – Obra: Parque Biblioteca León de Grieff – Ubicación: La Ladera, Medellín, Colombia – Autor: Giancarlo Mazzanti – Colaboradores: Andrés Sarmiento, Juan Manuel Gil, Freddy Pantoja, Camilo Mora, Pedro Saa, Alejandro piña, Iván Ucros, Gustavo Vásquez. – Año: 2007 – Superficie construída: 6800 m2 – Instalaciones: Constructor AIA CONSTRUCTORES – Estructura: Sergio Tobón – Fotografías: Sergio Gómez
fig. 9 – Biblioteca Parque Manguinhos, RJ. INVERDE -Instituto de Pesquisas em Infraestrutura Verde e Ecologia Urbana – http://inverde.wordpress.com/biblioteca-parque-manguinhos/

Exemplos a serem seguidos, como a Biblioteca Parque de Manguinhos, no Rio de Janeiro, e a ‘rede de livros em Medellin’. Vale a pena ver a qualidade projetual, tanto da arquitetura quanto do espaço público, lugares de CIDADANIA na cidade. Vamos repetir e consolidar a cidade pela arte, pela leitura e pela cultura ao espaço público de TODOS E PARA TODOS.

Vamos repetir e consolidar a cidade pela arte, pela leitura, pela cultura e acima de tudo CIDADANIA no espaço publico de TODOS E PARA TODOS. UM URBANO MAIS HUMANO, por favor.

*Adriane Matthes é doutoranda em Urbanismo pelo programa POSURB da PUC Campinas e Bolsista pela CAPES. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela PUC Campinas, com Mestrado em Urbanismo pela PUC Campinas, atualmente é professora titular da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

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