- Publicidade -
24.7 C
Poços de Caldas

- Publicidade -

Urbano mais Humano: o chão público

- Publicidade -

whatsapp-image-2016-11-08-at-16-41-36

Vem pro passeio menino” era uma frase de aconchego e proteção. No passeio estávamos seguros.

- Publicidade -

E hoje no segundo texto da serie deste jornal, gostaria de tratar de uma parcela da cidade que mais usamos e que menos nos chama a atenção: o chão da cidade.

Sim, o chão público, aquela parcela de espaço de uso cotidiano onde ocorrem as diversas trocas sociais e políticas, tapete da correria diária que nos leva e trás.

- Publicidade -

O passeio, a calçada, o passo, o calçamento, a parcela da rua onde se vive, se para, se olha e é olhado. Um lugar de sentir e de trocar. O lugar do passo tem muitos nomes e, dentro de cada um, um sentido. Outros o chamam de pedaço do pedaço, talvez em Minas seja o pedacinho da rua, do espaço público. Mas o que é mesmo é um pedaço do passeio público que se destinou ao deleite, ao estar, passar, passear e se reconhecer nele.

Sempre quis entender como a estrutura do espaço público funciona. O passeio sempre esteve em minha vida e é a constituição e referência do espaço urbano da minha infância. Passei minha infância entre as cidades de diversos tamanhos, numa mistura de cidades e influencias, indo desde a capital Belo Horizonte, Pará de Minas, Uberaba, Poços de Caldas e sempre aos finais de semana e férias, a pequenina e múltipla Caconde. Fato que traçou minha vivência urbana num constante exercício de sensibilidades às diferentes formas de ocupação de cada lugar. Tamanhos urbanos, dualidades e proximidades entre o rural e o urbano, e a compreensão sobre relações e trocas sociais estiveram sempre presentes como uma rotina rica e intensa que aos poucos me construiu. Hoje o Passeio, o passear e as trocas fundamentam minha tese de doutorado, em fase de finalização.

- Publicidade -

Cresci brincando em passeios, com espaços divididos entre a terra, para as bolinhas de gude; a grama para a geada da manhã e refresco nos dias de calor; a parte calçada, imprescindível para se andar de bicicleta e patins; na linha do trem e na praça com chuva. Desenvolvi toda sociabilidade no espaço livre da cidade, sempre com o controle de minha mãe olhando pela janela vez ou outra, ou me esperando chegar no horário combinado, mesmo estando já crescida.

Hoje mãe de duas crianças, moro em frente a um parquinho com lindas árvores de jacarandá mimoso e dois ipês amarelos. É um bairro antigo e tradicional, com sua faceta religiosa e comunitária, com bares que vendem pingas engarrafadas com chocalho de cascavel, pedras, cobras e outros seres estranhos acompanhadas de linguiças, torresmos e churrascos no passeio. A sexta-feira só começa com o cheiro do churrasquinho…

Toda essa riqueza e diversidades culturais convivem com a velocidade dos caminhões e automóveis que impedem a chegada de forma segura ao parquinho, convivem com a busca pela mina que jorra água todo o tempo.

A dinâmica de se tomar a água fresquinha começa logo que o sol sai. Depois, ao longo do dia, mata a sede dos pedestres acostumados com a paradinha para o descanso e refresco, e à noite o barulho que reconforta ao dormir intercalado ao som dos motores escandalosos que ora vão ao encontro da moradia nos bairros que se seguem, ora vão à busca da mercadoria em direção à região metropolitana de Belo Horizonte.

E parece ser assim. O tempo se encolhe. A velocidade define o ritmo da vida. Tudo é feito na correria. Andar, amar, conversar, olhar, comer, sempre apressado. A rapidez da sociedade de consumo impõe o ritmo da sobrevivência. Pessoas circulam aceleradas em espaços urbanos barulhentos, travessias invisíveis, passeios esburacados, entupidos de gente, umas sobre as outras, ou em espaços completamente desertos, sujos, em meio a carros, confusos pela poluição visual, disfarçando o medo, a insegurança.

Lembro-me das tardes na praça em minha adolescência e agora com meus filhos e seus colegas. Brincam, correm, andam de bicicleta e tomam a chuva, que vem e vai, característica de Poços. Por um instante, as crianças se distanciam e o pânico toma conta das mães. A insegurança da rua que contorna a praça, por um breve instante, me faz questionar a balbúrdia urbana: é mesmo essa a cidade em que construí minha vida?

E, como mãe, sinto a tristeza de não poder oferecer a meus filhos a liberdade vigiada que tive, experimentando o aprender a viver em sociedade, em segurança e tranquilamente.

Mas sem nostalgias e sem o sentimento de trazer de volta o tempo que passou, consciente da importância fundamental do espaço urbano na construção de uma sociedade diversa e saudável, reflito e convido a todos a se propor buscar pelo sentido do espaço público de vivência cotidiana, não pelo resgate simples da imposição do passado, mas sim pela busca das essências do elemento físico estruturador para a dinâmica urbana no espaço urbano atual da cidade que vivemos.

O passeio, a calçada, o passo, o calçamento, a parcela da rua onde se vive, se para, se olha e é olhado. Um lugar de sentir e de trocar. O lugar do passo tem muitos nomes e, dentro de cada um, um sentido. Alguns o chamam de pedaço do pedaço, talvez em Minas seja o pedacinho da rua, do espaço público. Mas o que é mesmo é um pedaço do passeio público que, dividido para dar lugar ao carro e ordenar as velocidades, se destinou ao deleite, ao estar, passar, passear e se reconhecer nele. Essa é a essência deste ‘pedacinho do pedaço da rua’.

Quero falar do chão público, o PASSEIO. Espaço social, público, limite entre a parcela privada do lote e a rua e que pertence a todos, que cabe a todos manter e cuidar. Aqui cabe um destaque: o passeio é de todos e a todos cabe o cuidado, mas cabe ao gestor público sua gestão, cuidado e ordenação. Parece estranha a repetição, mas é importante e vou esclarecer.

Partindo do pressuposto que as calçadas são bens públicos municipais, e que as calçadas são parte da via destinada aos pedestres e reconhecendo essa característica em consonância com o disposto no Código de Trânsito Brasileiro, Lei nº 275, de 12 de março de 2009, cujo artigo 2º dispõe que a calçada consiste na “parte da via pública não destinada à circulação de veículos, normalmente segregada e em nível diferente, destinada à circulação de pessoas, bem como à implantação de mobiliário urbano, equipamentos de infra-estrutura, vegetação, sinalização e outros fins quando possível”.

Cabe então ao município e seu órgão gestor, seu cuidado, e portanto gestão. Há aqui uma inconsistência sobre o tratamento deste espaço público. Haja visto que a LEI Nº 13.146, de 6 de julho de 2015, Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência) e então nada mais que imprescindível mudarmos nossa forma de ver e gestar sobre o espaço público de uso, dever e direito de todos.

Em nossa querida cidade, esse passeio presente em recordações de brincadeiras de rua, da infância de uma boa parte da população adulta de hoje, infelizmente não podemos sequer chamar de calçada,  pois nem calçamento como unidade de materiais, cores e texturas, e sequer a ‘lisura’ como espaço agradável de se circular existe. Temos nosso espaço de vivência esburacado, destinado ao dono do lote, à iniciativa privada a decisão sobre o desenho que se quer em frente à sua residência, estabelecimento comercial e de serviço.

Há que se resgatar o espaço da vivência, da troca social, do conforto e aprazibilidade no espaço público. Temos hoje nossas calçadas vinculadas ao consumo, bancos, excluindo os que estão em praças que, quando existem, são de posse e propriedade dos ‘donos’ do lote.

Onde estão os lugares públicos não vinculados ao consumo e onde podemos sentar e ler jornais, revistas, palavras cruzadas ou simplesmente nos deixar ao deleite da cidade e do espaço público?

Há que se apropriar dos espaços de vivência como elemento fundamental para a existência humana, em um URBANO MAIS HUMANO.

* A autora é doutoranda em Urbanismo pelo programa POSURB da PUC Campinas e Bolsista pela CAPES. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela PUC Campinas, com Mestrado em Urbanismo pela PUC Campinas, atualmente é professora titular da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais.

Veja também
- Publicidade -












Mais do Poços Já
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
- Publicidade -
Don`t copy text!