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Venda de pipocas e bolos ajudam na arrecadação de dinheiro para mastectomia (Foto: Camila Bonafé).

“Oi, eu sou o Chico”. É assim que ele se apresenta a todos desde que se descobriu transexual. As dúvidas começaram quando ainda era criança e gostava de jogar futebol e brincar de carrinhos com controle remoto. “Minha mãe nunca me deu um. Quando comprou, era da Barbie”, brinca.

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Desde que se mudou para Poços, em 2014, o estudante de arquitetura percebeu que não gosta dos seus seios. “Eu tocava e sentia que aquilo não fazia parte de mim. Um dia, fiquei com uma menina e ela colocou a mão no meu peito. Na hora, eu percebi que não gostava daquilo”. A partir daí, começou a pesquisar mais sobre mastectomia, cirurgia de remoção completa das mamas.

Buscando maior independência para pagar o tratamento hormonal e também a cirurgia. Chico começou a vender pipoca doce e bolo na faculdade. Sem forno no apartamento em que mora em Poços, precisa esperar pelo final de semana, quando viaja para Pouso Alegre, para preparar os doces e vender na segunda e terça-feira durante o intervalo das aulas.

História

Chico se lembra de um momento marcante na infância. Aos nove anos, quando estava sem camisa em casa, pediram que colocasse uma porque não era permitido meninas aparecerem daquele jeito. Criado numa família religiosa, nunca se sentiu à vontade para conversar sobre os receios e seu modo de ser. “A vida toda eu senti que não me encaixava”.

O estudante conta que já sabia de homens que gostavam de se vestir como mulheres, as travestis, porque as via nas esquinas de sua cidade natal, Pouso Alegre, se prostituindo. Mas nunca tinha ouvido falar em transexuais.

O conhecimento e a libertação só vieram depois que se mudou para Poços para cursar a faculdade de Arquitetura. Em conversa com uma amiga, descobriu sobre os transexuais e decidiu pesquisar sobre o assunto. Na mesma época, sentindo que não daria conta de enfrentar tudo sozinho, procurou por um psicólogo e começou a fazer terapia. Contar para a mãe foi a parte mais difícil. Em forma de carta, Chico escreveu que havia se descoberto. “Ela ficou sem reação. Disse que me amava, mas não saberia lidar com aquilo. Eu não esperava que ela fosse agir daquela maneira”.

Ainda hoje, quando visita a família, a relação é complicada. Precisou aprender a se impor, aos poucos. Mas a mãe ainda não consegue chamá-lo de Chico, refere-se a ele como ‘ela’ ou de ‘a’. As dificuldades e problemas o levaram a tentar cometer suicídio mais de uma vez. “Na última eu estava no banheiro de casa e minha irmã mais nova, que é muito minha amiga, me chamou”, desabafa com lágrimas nos olhos.

Em 2016, através de uma amiga que fez uma vaquinha, conseguiu arrecadar cerca de R$200 para custear uma viagem a São Paulo (SP), onde iniciou um tratamento hormonal. Já havia tentado realizar o procedimento sozinho, mas acabou no hospital com uma infecção.

Amigos

Chico define seus amigos como sua família.

“A minha família são os meus amigos”, é assim  que Chico define as amizades que conquistou depois que entrou na faculdade e que o tem ajudado a alcançar seus objetivos. Os amigos criaram uma página no Facebook para divulgar a história dele e também uma campanha no Vakinha online, onde os interessados podem fazer doações para ajudar a custear a viagem para outra cidade, cirurgia e os remédios que serão utilizados no tratamento. O valor total é de R$12 mil.

“Ajudar é o mínimo que a gente pode fazer para o nosso amigo, para ele sentir por fora o que sente por dentro. Então, o que a gente puder fazer mesmo,  compartilhando em rede social, mandando para os coletivos, dando o link da Vakinha. Ajudando mesmo, às vezes, só estando do lado para ajudar, para dar um abraço”, comenta a estudante Natália Pinheiro Guimarães.

Para Naiade Moras, que estuda junto com Chico, a cirurgia vai ajudá-lo a ser realmente quem é. “Eu lembro exatamente do dia que ele contou a história dele, quando raspou a cabeça pela primeira vez, a partir daquele momento eu vi que ele era feliz, era ele mesmo”.

Quem também se simpatizou com a história foi a publicitária Camila Bonafé. “Eu e a Natália estávamos comendo pipoca e ela me disse para comprar dele, perguntei porque e ela me contou que ele estava juntando dinheiro para fazer uma mastectomia, que ele precisava disso para ser uma pessoa completa. Se eu pudesse, pagaria o valor total da cirurgia, mas como não tenho condições financeiras pensei em ajudar como posso, que é fazendo as artes, criando a página do Facebook, ajudando a divulgar”, explica.

A maquiadora Franciele Tarabolle chegou a oferecer cursos de maquiagem que serão rifados para ajudar a arrecadar verba para a cirurgia. “Eu conheci o Chico e foi como um encontro de almas, a gente se deu super bem e ele acabou me contando a história. Aquilo me tocou muito porque a gente está em busca da felicidade, de melhorar algo dentro da gente só que, muitas vezes, nem sabe por onde começar, o que fazer. Então, quando encontra uma pessoa que sabe o caminho, mas tem muitos obstáculos pela frente, a gente tem que ajudar, não só por ser meu amigo, uma pessoa que eu posso falar que eu amo e quero ver feliz, mas também porque é a felicidade dele”, finaliza.