“Tudo o que eu me lembro é de acordar dentro de um carro no loteamento Mantiqueira e vê-lo em cima de mim. Eu me debati, pedi pra parar. Eu estava cheia de hematomas e minhas roupas estavam ensanguentadas. Ainda era virgem quando aconteceu”, relembra E. L. R., de 40 anos. O abusador, amigo de uma amiga, a conheceu em uma festa e colocou drogas em sua bebida. Em seguida, ela perdeu os sentidos.
Depois de estuprá-la, ele esperou que ela se vestisse e a deixou na porta de casa. Desolada, não procurou a Polícia Militar para fazer um boletim de ocorrência e guardou segredo por dois anos, quando finalmente resolveu se abrir com um frei e procurar ajuda psicológica.
“Continuo fazendo terapia até hoje. É uma ferida que se abre e nunca mais para de sangrar. Se eu disse que ter sofrido esse estupro não teve um efeito na minha vida, é mentira. Hoje consigo falar disso sem chorar, já não me dói tanto ter que falar sobre isso quanto doía no começo”, afirma.
A vítima chegou a encontrar o estuprador mais uma vez, durante uma festa de réveillon. “É uma sensação horrível, sofrer uma agressão sexual suscita em você os piores sentimentos. Nunca imaginei que eu poderia olhar para alguém e ter vontade de matar essa pessoa. Esse era o sentimento que eu tinha quando olhava para ele”, desabafa.
Mais agressão
Anos mais tarde, E. voltou a sofrer violência física. Dessa vez, dentro de sua própria casa. Agredida pelo irmão depois de uma discussão, chegou a buscar por um posto da Polícia Militar e registrou um boletim de ocorrência. Tinha a intenção de processá-lo, ação que foi convencida a não fazer por causa de seu pai. “Ele vai até minha casa até hoje, porque eu moro com meus pais e não tenho como cortar totalmente o vínculo, mas nunca mais nos falamos”, relata quatro anos após a agressão.
Em meio a dor e ao sofrimento, E. conheceu o movimento feminista e se tornou militante. “Me senti em dívida com outras mulheres. Comecei a trabalhar com a questão do empoderamento financeiro da mulher, desvincular as mulheres dos companheiros agressores. Foi assim que o feminismo entrou na minha vida”, conta.
Ela ainda diz que recebe, quase que diariamente, denúncias de violência contra mulheres. Depois de superar todos os traumas causados pelas agressões, hoje ajuda outras vítimas a encontrarem caminhos que as tirem desses ciclos de desrespeito e crueldade.
Esta é a primeira reportagem da série que o Poços Já publica nesta semana. Vamos conhecer outros casos e falar sobre a rede de proteção às mulheres vítimas de violência, das estatísticas assustadoras de Poços de Caldas e analisar o comportamento dos agressores.
Fotos
As fotos que ilustram esta série são fruto de um ensaio feito pelo Poços Já em parceria com o Grupo Andara de Artes e a Escola de Beleza Bardot. Esta reportagem tem imagens da atriz Júlia Cristina, que emprestou seu rosto para dar vida às incontáveis mulheres que, anonimamente, sofrem agressões diárias.
Ficha técnica
Fotógrafo: Juliano Borges
Direção artística: Nando Gonçalves
Atriz: Júlia Cristina
Maquiagem: Franciele Tarabolle (Bardot)
Apoio: Secretaria Municipal de Cultura