Duas semanas após ter aprovada a solicitação de uso da tribuna, a mestranda em Educação e pesquisadora de Gênero e Juventude, Andréa Benetti, compareceu à última sessão da Câmara Municipal de Poços de Caldas, realizada na terça-feira (23). Ela comentou as falas do vereador Ricardo Sabino dos Santos (PSDB), que havia se pronunciado a favor da retirada dos termos ‘identidade de gênero’ e ‘orientação sexual da nova versão da Base Nacional Curricular. “Na verdade não foi um pedido pessoal, vim aqui representando quatro coletivos [Parapanã, LGBT, Juntos e Levante Popular da Juventude]. A tribuna livre é um direito quando tem um assunto que é público a ser discutido e esses coletivos entendem que algumas falas que têm sido proferidas em relação às questões de gênero têm sido feitas de forma irresponsável, de forma a ferir a constituição em alguns pontos. Quero explanar sobre o que é gênero e o que é responsabilidade dos vereadores diante disso num estado laico”, comentou pouco antes do pronunciamento.
No discurso na tribuna, que durou cerca de nove minutos, Andréa relembrou casos de violência contra a mulher em Poços e outras cidades do Brasil e do mundo, além de usar dados específicos de pesquisas já realizadas sobre o assunto, e violência contra minorias, como grupos LGBT. “Gênero não significa corpo, não significa nascer com pênis ou vagina. Isso é diferença sexual. Gênero é o que a nossa sociedade constrói a partir da diferença sexual. Então, para que a gente tenha um debate honesto, para que a gente coloque as coisas para a população de forma a esclarecer, a gente não pode vir no plenário da Câmara falar que nós já nascemos com carimbo, que já se nasce homem ou mulher. A gente nasce com uma diferença sexual óbvia, biológica, ninguém nega isso, mas o que eu construo a partir disso, sistemas de opressão que são construídos a partir disso, que nos fazem mulher e nos negam grande parte das coisas que seriam destinadas a toda população, isso é gênero. A construção de gênero que se dá a partir dessa diferenciação, isso é histórico, isso é cultural, isso é temporal”, declarou.
Andréa ainda discursou sobre a importância dos vereadores discutirem o assunto. “A gente tem uma sociedade brasileira com múltiplas facetas de gênero e essas pessoas sofrem violência, vivem à margem da sociedade e precisam ser incluídas. É papel de uma Câmara dos vereadores, eu acredito, considerar isso e considerar que esses debates na educação são fundamentais. Nós não vamos conseguir sair do cenário de opressão que a gente se encontra se a gente não chegar nas crianças e discutir violência contra mulher. O que a gente quer? Esconder das crianças que a gente apanha? Que a gente morre? Que os gays morrem por ser gays? Que existem pessoas homossexuais? Quem acha que algum professor vai chegar na escola e ensinar a criança a ser homossexual, quem vai conseguir fazer isso? Nós temos ensinado todo mundo a ser hétero, desde que o mundo é mundo, e não tem funcionado. Orientação sexual é ensinada? Identidade de gênero é alguma coisa que eu consigo ensinar para alguém? A gente é regulado o tempo todo, às vezes a gente não se encaixa nesses padrões e morre por não se encaixar”, afirmou.
Os vereadores
Após a fala de Andréa, os vereadores Maria Cecília Opípari e Paulo Tadeu, ambos do PT, se pronunciaram. “Passou da hora da gente tentar respeitar as pessoas, tentar respeitar as escolhas. A gente precisa tentar entender um pouco mais o ser humano. Nós estamos vivendo num mundo com muita falta de amor, muita falta de respeito. Eu não preciso ser negra para defender os negros, não preciso ser mulher para defender mulher, não preciso ser gay para defender os gays. Eu tenho que ter respeito pelos cidadãos e defender os direitos humanos. Obrigada pela sua fala”, concluiu Ciça.
Paulo Tadeu aproveitou para questionar o plenário sobre tolerância. “No Brasil, cerca de 90% dos travestis e transexuais são mortos antes dos 34 anos, sabem por quê? Porque não são tolerados na família, não são tolerados no círculo de amigos, nas escolas. O que há de errado em ensinar essa sociedade a tolerar as pessoas?”.
Quem também agradeceu a presença de Andréa foi o vereador Gustavo Bonafé, que ressaltou a importância da população na tribuna livre. “Estamos na nossa 16ª sessão do ano e devemos ter recebido, no máximo, três pessoas. Eu gostaria de ver mais pessoas e, inclusive, facilitar esse acesso à tribuna, acho que é uma discussão que a gente tem que gerar aqui. Acho que essa Casa tem que ser aberta a todos os pontos de vista”, disse.
Já o vereador Carlos Roberto de Oliveira Costa (PSC), resolveu debater com Andreá sobre a fala. “Isso não isenta que as pessoas tenham suas convicções, em nenhum momento, que eu saiba, aqui nessa casa ou qualquer outra liderança que eu conheça, incitou qualquer violência contra qualquer pessoa. A pessoa humana deve ser respeitada. Eu defendo a vida perfeitamente”, declarou.
A conversa se estendeu por mais de 11 minutos, até ser encerrada pelo presidente da Casa, Antônio Carlos Pereira, por ter ultrapassado o tempo permitido.
Resposta
Alvo principal do pronunciamento de Andréa, o vereador Ricardo Sabino (PSDB) preferiu não se pronunciar sobre o assunto durante a sessão. O Poços Já conversou com o parlamentar na tarde desta quarta-feira (24). Durante a votação para uso da tribuna, Ricardo foi um dos vereadores favoráveis a ceder o espaço para a mestranda. “Eu posso não concordar com o ponto de vista de alguém, mas vou defender o direito dessa pessoa falar. Como eu quero falar e também ter o respeito à minha fala, espero que as pessoas que pensam diferente de mim também tenham direito a essa fala”, explica.
Ricardo comentou também sobre a violência contra a mulher, ressaltada por Andréa durante o discurso. “Eu acho que dá para separar perfeitamente o que ela falou do que eu falei, porque parece que não falamos da mesma coisa. Eu nunca fui, nunca vou ser a favor de nenhum tipo de violência, principalmente violência contra a mulher. Eu faço questão de mencionar aqui que as pessoas que eu mais amo nessa vida são mulheres, eu tenho uma esposa, eu tenho minha mãe, tenho uma filha. A Andréa trouxe dados com relação a morte e eu quero fazer questão de frisar que eu faço parte de um grupo em defesa da vida. Eu, minha esposa e um grupo grande de pessoas defendemos a vida da sua concepção até o seu término natural. Então, neste ponto, estou em comum e pleno acordo, temos que defender a vida humana, a dignidade humana em toda a sua realidade, em todas as suas dimensões”.
Ele ainda reafirma que não é preconceituoso, apenas não acredita que este assunto deva ser abordado nas escolas. “O debate do respeito, da tolerância, tem que acontecer nas escolas, sem dúvida. A sexualidade tem que ser discutida a partir do momento que a criança tenha idade suficiente para essa abordagem, feita com responsabilidade. A criança quer brincar, ela não está preparada emocionalmente e psicologicamente para esse debate. É só isso que eu, enquanto pai, enquanto legislador, preciso fazer valer a minha voz. Com relação à fala de ontem, faço questão de dizer que o estado é sim laico, mas não é ateu. A cerimônia na qual a Andréa teve o espaço para falar foi iniciada e encerrada sob as bençãos de Deus. Nossa constituição garante que a gente é um pais que tenha Deus e respeita também todas as religiões”, finaliza.
Nossa reportagem também tentou entrar em contato com Carlos Roberto de Oliveira Costa, mas fomos informados que o parlamentar viajou durante a madrugada desta quarta, junto ao também vereador Marcelo Heitor, para Belo Horizonte, onde participarão de uma reunião.