Valéria Huston e Fabyula Domingues são camareira e estudante, respectivamente, e parecem estar sempre em sintonia. A cada pergunta, uma troca de olhares. As respostas às vezes divergem, mas em comum elas têm a paixão por Poços de Caldas.
As transexuais ganharam as redes sociais de Poços de Caldas e região nos últimos meses. Além de fazer rir, nos vídeos elas falam das belezas da cidade e do próprio cotidiano. Em entrevista ao Divirta-se em Poços, a dupla conta histórias de vida, lembra do histórico de preconceito e comenta o reconhecimento que encontra nas ruas.
Valéria veio do interior de São Paulo para Poços ainda com 11 anos, enquanto Fabyula chegou há cerca de oito meses para fazer um curso profissionalizante de cabeleireira. “Eu amo Poços de Caldas, essa cidade é linda”, enfatiza a camareira. “Eu vim para estudar, faço curso de cabeleireira, conheci a Valéria e tô aqui”, acrescenta Fabyula.
Elas se uniram para fazer os vídeos que Valéria já fazia. Tudo começou em uma simples caminhada pela rua Junqueiras. “Foi um vídeo de brincadeira que deu certo. Eu já fazia com interesse em ser reconhecida, mas o que bombou foi despretensioso. Nós duas juntas fica engraçado, ela tem um jeito mais engraçado e eu o meu. Formamos uma dupla, ficou ótimo”, explica Valéria.
As possibilidades eram várias, mas elas optaram por promover a cidade, seus pontos turísticos e comerciais, tudo isso porque amam Poços. “O bordão ‘cidade da beleza’ é da Fabyula, mas a ideia de falar da cidade é minha. Falamos bem porque é uma cidade boa, que a gente sai e pode voltar”, diz Valéria, que mais uma vez é completada por Fabyula. “É uma cidade turística, que tem uma beleza que perdura por anos e está escondida, não é mais aquela cidade dos postais, que todo mundo queria vir conhecer, então começamos a promover ela”.
Elas afirmam que é tudo feito no improviso, valorizando as perspectivas delas. A intenção é fazer o mais natural possível e não cair na chatice. Os vídeos, postados principalmente no Facebook, têm mais de cem mil visualizações no total, sem contar o compartilhamento via WhatsApp.
Os seguidores as abordam também nas ruas, pedem para tirar fotos e incentivam as duas a continuar. “As crianças são as que mais ficam loucas, elas tremem, gritam, e é o que mais nos faz feliz. Ganhar o coração de uma criança, que é puro, é uma alegria. Estou amando isso”, pontua Valéria.
Os vídeos caíram na graça das mulheres e crianças, já os homens ainda se escondem atrás das telas dos celulares e dos computadores, segundo a dupla. Assistem, mas não se expõem.
Preconceito e transexualidade
O fato de se tornarem figuras públicas não fez com que o preconceito as atingisse. Os vídeos parecem até ter suavizado a situação. Ao longo da vida, porém, o contexto não é o mesmo.
Elas consideram Poços uma cidade mais tranquila nesse aspecto, em comparação com outros lugares pelos quais passaram, e enfrentam o preconceito de cabeça erguida. Em nenhum momento se privam de ir e vir.
“Eu esqueço que sou trans, é uma coisa natural, eu me achei e vivo uma vida normal. Trabalho, pago minhas contas, sou honesta, entro em qualquer lugar, eles têm que me aceitar”, argumenta Valéria.
Fabyula conta que já enfrentou dias mais difíceis no passado, marcas deixadas pelo preconceito que a fazem ter medo hoje em dia. “Eu cheguei a ser agredida por sete skatistas na porta da escola, fiquei na CTI vários dias, tudo porque eles não me aceitavam. Depois já apanhei muito, vivi oito anos na rua e vi muita gente apanhar e morrer”.
Fabyula se assumiu aos 14 anos e aos 15 iniciou a transformação corporal. Ela teve que enfrentar as primeiras barreiras ainda dentro de casa, quando a mãe e pai não aceitaram, embora o restante da família tenha entendido. A mãe hoje já aceita, mas o pai ainda não fala com ela. Todos os sentimentos já foram colocados em um consultório médico. “Já fui no psicólogo e no psiquiatra, minha mãe achava que isso era loucura minha, que estava acontecendo alguma coisa, mas eu segui porque era o melhor pra mim”, admite.
Foi em grupos de transexuais, onde podia dividir o sentimento, que ela encontrou conforto, informação e apoio. “Me assumi e sou mais feliz. Eu levava uma vida horrorosa, ter que usar roupas de homem e agir como um perto da minha mãe me incomodava. Eu era uma escuridão, então hoje quando eu tiro o sorriso de uma pessoa ou sorrio me faz orgulhosa, minha intenção é ver o povo dar risada”, expõe a estudante.
Valéria demorou um pouco mais para iniciar sua transformação, mas já se sabia transexual desde que se entendeu por gente. Desde pequena ela tinha sentimentos diferentes dos quatro irmãos homens e se sentia mais parecida com a irmã. “Meus trejeitos sempre foram de menina, então enfrentei preconceito na escola, cheguei a ser expulsa por conta de uma confusão por causa homossexualidade, na verdade por causa do preconceito. Minha mãe também não aceitava de jeito nenhum. Quando fiz 17 anos eu me apresentei para alistamento obrigatório, fui dispensada, e aos 18 anos comecei meus tratamentos hormonais, até que me transformei”, resume.
Hoje camareira, Valéria teve dificuldades para conseguir emprego e tomou o rumo da prostituição por um ano. Ela também sofreu agressões, não só por parte de homofóbicos, mas também das próprias “concorrentes”. Há mais de dez anos ela trabalha com carteira registrada.
“Com tudo isso minha mãe passou a me aceitar, não vou dizer que ela me ama, ela me engole, me tolera, enfim, é mãe que aceita o filho. Por outro lado ela já me chama de Valéria, então já uma aceitação boa. Meus irmãos também me tratam bem”, declara, garantindo que hoje não tem mais problemas familiares.
Vídeos
Alguns vídeos chegam à marca de 40 mil visualizações e dois mil compartilhamentos. Eles estão espalhados em vários aplicativos, mas principalmente nos perfis delas no Facebook.
Elas gostam de falar da rotina, fazer propaganda e rir. “Eu quero fazer rir, não quero nem ficar famosa. Quando comentam ou me dizem no particular que me viram e a família toda assistiu e que o vídeo leva alegria e felicidade eu me realizo, é essa a minha intenção”, menciona Fabyula.
Para seguir as duas no Facebook é só clicar aqui (Valéria) e aqui (Fabyula).