As pessoas não são uma coisa só. Todos nós temos lados diferentes. Por exemplo, um lado meu ama moda, outro lado ama futebol. Não há nada mais ultrapassado que estereótipos. Desde pequetita que sou, invocada com o mundo da moda. Segundo um tio, assim que qualquer pessoa que chegava em casa, eu corria pra mostrar meu “papatinho”. Minha mãe tinha uma loja de roupas, então sempre que chegava viajante, eu ficava na espreita pra ver as novidades e escolher o que iria ganhar, por ganhar, entenda-se, encher o saco da minha mãe até ela não aguentar mais e me dar. Minha mãe não era fácil de dobrar, mas eu conseguia ser chata o bastante pra atazaná-la o bastante até conseguir algo que queria muito, minha tática do emburramento era muito eficaz. Até que um belo dia, tinha uns 6 anos de idade, acordei, fui até a cozinha e pedi pra minha mãe:
– Quero a saia da Embatchula!
– Quê? ela disse. – Quem é Embatchula?
– A Embatchula é a Embatchula, oras. Eu quero uma saia da Embatchula.
E aí começou a saga da saia da Embatchula. Ninguém sabia quem ou o que era a tal Embatchula, muito menos como era sua saia. Mas eu queria, porque queria, porque queria. E emburrei, e chorei e até uma febrezinha eu tive.
Minha mãe me mostrou todas as saias da loja, não era nenhuma. Minha irmã trouxe saias de Campinas, onde ela morava, também não era. Semanas se passaram e eu ainda queria a saia da Embatchula.
Certo dia, estava em casa borocochô, porque queria dançar, mas só ia dar certo se fosse com a saia da Embatchula, quando um cumpadre do meu pai chegou. Élio Sargento, um homem alto, de voz empostada, fazendeiro que vira e mexe ia lá em casa prosear com meu pai. Ao me ver toda amuada, perguntou pra minha mãe o que tinha acontecido e então ela contou toda a saga da saia da Embatchula. Ele foi falar comigo e perguntou como era a saia, eu disse que era igual a da Embatchula, boa pra dançar. “Boa pra dançar hein… Já sei como é, vou lhe trazer a saia da embatchula”, e ali já esbocei um sorriso.
Uma semana se passou, esperava ansiosamente o Élio Sargento chegar com minha saia e ele chegou. Me deu um pacote. Abri. Todos estavam tensos – e se não for a saia da Embatchula, essa menina vai fazer um escândalo, pensava minha mãe. Peguei a saia, ela era rosa com aviões azuis estampados, curta e bem rodada. Olhei bem a saia e disse:
– A saia da Embatchula!!!!!!!!
Coloquei e já saí pro quarto pra dançar lambada, sim lambada, lambada da Xuxa. Não antes de dar um abraço e um beijo no meu salvador da pátria.
Minha mãe não sabia como agradecer, queria pagar, mas ele não aceitou. Então ela perguntou onde ele tinha achado a tal saia e ele disse:
– Não achei, eu fiz.
Siiiiim, o Élio Sargento, ex-polical e fazendeiro costurou pra mim. Secretamente ele tinha também uma paixão por roupas e tinha uma máquina de costura em casa. Ele disse que era um curioso e gostava de saber como tudo funcionava, inclusive “isso de fazer roupa”.
É aquela velha máxima, nem tudo é o que parece ser, quem diria que minha saia viria das mãos de um fazendeiro?
Pois é, minha gente, qualquer um pode ser qualquer coisa e de quebra fazer alguém muito, muito feliz.
Em tempo: Usei a saia da Embatchula por uma semana direto, quando ia dançar tinha que ser com ela, minha mãe fez alguns remendos pra ela durar mais tempo, só a aposentei quando realmente já não me servia mais.
Em tempo 2: Não faço a menor ideia de quem/o que era a Embatchula. Minha teoria é de que era alguma amiga imaginária, e que, com o tempo, assim como no filme Divertidamente, sumiu da minha memória.
*Karol Dias é formada em jornalismo pela PUC-Campinas e fez curso de moda com Maria Prata.