“Para falar de putaria precisa de um pouco de classe, senão vira funk carioca”, diz vocalista da Velhas Virgens

Música

_DSC0030A banda Velhas Virgens se apresentou em Poços de Caldas no último sábado (31), com a a turnê Garçons do Inferno. São os últimos shows do vocalista Paulão, que aproveita o aniversário de 30 anos do grupo, ano que vem, para se despedir dos fãs. O evento, realizado no Rota Bar, teve ainda a apresentação de bandas locais.

Leia a entrevista com Paulão:

Por que surgiu a vontade de se aposentar?

São 30 anos ano que vem, acho que a gente tem emendado show e disco um em cima do outro, é hora de dar uma parada e dar uma olhada de onde a gente veio, onde a gente chegou e para onde ir depois disso. É uma aposentadoria individual minha. Parar, rever o trabalho e pensar o que vai ser daqui para frente, o que eu vou fazer.

De onde vocês vieram, onde chegaram e para onde você vai depois disso?

A gente começou como uma banda sem muita pretensão, tocar na esquina já bastava.  A gente conseguiu fazer muita coisa, são 15 discos. A gente se tornou a maior banda independente do Brasil, foi muito maior do que a gente imaginava. Algumas coisas até sem parar muito para planejar e pensar, porque banda independente é que nem bicicleta: parou de pedalar, ela cai. Vou descobrir o que vou fazer depois.

Como você avalia a cena atual do rock independente brasileiro?

Eu acho que tem muita música boa independente, independente de ser rock ou não. Tem muita música legal. Acho que a mídia está cada vez mais corrupta, fechada e só lança a mesma merda, prima por essa coisa sem qualidade nenhuma, que não tem eco sobre as pessoas de verdade. É uma coisa vazia, fria. A cena eu acho interessante, mas a mídia não está nada interessada nisso.

Quais ferramentas vocês utilizaram apra conseguir destaque como banda independente, já que há 30 anos era ainda mais difícil?

A gente sempre fez com muito tesão, primou pela loucura, pelo rock and roll mesmo. E fora do palco pela organização, por manter uma ligação próxima com os fãs, por usar as redes sociais. As pessoas enxergam quando você faz de pica dura, quando você faz com honestidade. Isso é uma das coisas que estão me fazendo parar para pensar também. O que fazer depois disso? São 15 discos, não é pouca coisa. São muitas gerações que começaram a ouvir a gente, casaram e nem vão mais no show. Vão os filhos dos caras. Queria pensar sobre isso sem a obrigação de estar lançando um outro disco.

Vi ali na banca que você escreveu um livro. 

Tem dois. Um que chama “Na terra das mulheres sem bunda”, que conta a lua de mel com a minha mulher na Europa por 30 dias em 2008. É meio que um dia explicando como que as pessoas podem ir pra lá de casal, sem ter que dormir em albergue mas também sem ter que dormir em hotel muito caro. Eu sou um cara muito metódico, então eu consigo dizer para você quanto eu gastei de manhã, qual o ônibus que eu peguei ou metrô, quanto eu paguei para entrar no Castelo de Versalles para visitar. Vira um roteiro turístico. Tem um pouco de realismo fantástico, porque eu encontro Jesus Cristo, Jimi Hendrix, John Lennon. E tem um crime também, um pouco de romance policial. E o outro livro é mais curtinho, que é o “Loucuras do Rock”, são 191 histórias sobre artistas, celebridades do mundo do rock, curiosidades que eu pesquisei e lancei.

Agora pretende escrever mais?

Tenho um projeto de livro que para escrever eu tenho que parar uns dois anos da minha vida. É uma saga de um sujeito que leva um chifre e não sabe se quer continuar vivendo ou morrendo. Ele vai para um limbo, que não sabe como chegou lá, nem como sair, e é um lugar muito estranho, às vezes não amanhece, todo mundo é boêmio, tem um cassino, um puteiro, um monte de bar. As pessoas ficam de um lado para o outro lá, sem saber muito para onde ir.

Esse limbo seria um lugar que você gostaria de estar?

Tem uma porção de conceitos que eu acho muito legais na boemia, essa questão de não amanhecer, um outro conceito de que quando você vai no puteiro, assim que você passa um patamar, homem vira mulher e mulher vira homem. Lá. É cheio de loucuras, que eu quero desenvolver melhor.

Esse humor da Velhas Virgens ainda existe no restante do rock nacional?

É mais cinismo do que humor. É você notar na sociedade, no jeito que as pessoas agem, uma coisa meio cínica. Isso que leva à risada, não é o humor gratuito. Nós somos filhos do Ultraje, de Camisa de Vênus, mais longinquamente do Joelho de Porco, Língua de Trapo, Premeditando o Breque. Fazer humor dentro de música é uma coisa meio complicada, porque as pessoas acham que é uma bobagem. As pessoas preferem ficar chorando. Uma das grandes virtudes das Velhas Virgens é falar de um tanto de coisa séria de uma forma pseudoesculhambada. Contando piadas você cutuca muito mais as pessoas do que falando sério. Para falar de putaria você precisa também de um pouco de classe, senão vira funk carioca.

Em um momento de crise econômica e política, qual é o papel do rock and roll?

É mandar todo mundo tomar no cu, como a gente já mandou o pessoal da ditadura, eventualmente o PSDB, mandar o PT também. Tem que falar que está tudo cagado, está todo mundo sentindo quando vai no mercado. Parece que está tudo meio triste, muita gente está triste. A política é um retrato da sociedade e a sociedade brasileira está em formação ainda. É uma merda, tem muita gente sem caráter. Hoje eu vejo os brasileiros pouco comprometidos, você reclama do policial corrupto mas você corrompe o policial. É uma coisa bem complexa, não sei o que fazer. Gostaria de sumir daqui e voltar daqui uns 100 anos para ver se melhorou. Como não é possível, eu sigo bebendo.

 

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