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ciênciaCaros amigos e leitores, por muito tempo, chegando à contagem dos séculos e milênios, houve ─ e ainda há, se bem que em menor intensidade ─ um debate fervoroso entre a ciência e a religião. Salvo poucas exceções, como por exemplo, quando se trata de algumas filosofias orientais, Igreja e ciência nunca se entenderam. Sempre pareceram ideais opostos. De um lado, a ciência alegando que somente ela é detentora da verdade, pois pode comprová-la por meio de experiências e observações, tornando-as fatos.  De outro, a religião alegando que quem possui a verdade é um Ser Superior ─ e os líderes religiosos, representantes desse Ser na terra ─ e o que os cientistas fazem é tentar brincar de Deus, o que seria um grande pecado. O mais estranho disso é que muitos de nós tivemos que crescer nesse paradoxo: podemos estudar e nos dedicar ao conhecimento, mas estaríamos mais vulneráveis ao pecado; ou podemos ser fiéis religiosos e estarmos fadados a viver na ignorância.

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Nos dias atuais, tal embate já se amenizou e muito. A Igreja passou a pelo menos aceitar a contribuição da ciência para o mundo, assim como a ciência hoje ao menos tenta compreender o valor da religião e da fé na vida das pessoas. No entanto, em termos de opinião, continuam discordando. Talvez um dia isso acabe por completo, e essas duas instituições passem a ser não adversárias, mas complementares. O problema é que tem muito interesse financeiro e de poder envolvidos em ambas as partes, e aí a coisa dá uma travada.

Mas essa é uma discussão que vai longe. Cada um tem sua opinião formada a respeito. Alguns com menos argumentos, outros com mais. Pessoas extremamente religiosas jamais aceitarão certas descobertas ou até mesmo discussões científicas como, por exemplo, o trabalho com células-tronco ou o evolucionismo. Por sua vez, o cientista fervoroso enxerga apenas absurdo em crenças religiosas, como os milagres. Se não podem ser cientificamente comprovados, não tem valor real. E até mesmo quando são comprovados, apenas por envolver questões de fé, perdem seu valor.

Infelizmente, sempre existirá o fanatismo. E fanatismo é contra a sensatez. O fanático não pode ser sensato, e o sensato não pode ser fanático. E isso se aplica tanto à religião quanto à ciência. Ora, será mesmo que existe uma verdade absoluta?

Em um episódio anterior à sua morte, Jesus Cristo ─ principal figura da crença religiosa ocidental ─ se cala diante do questionamento. Pôncio Pilatos, também uma importante figura politica de sua época, questiona Cristo: “O que é a verdade?” Como resposta, obtém silêncio. Talvez essa seja a principal prova que a verdade é muito mais subjetiva do que objetiva. O que é verdade pro Fulano, pode não ser pro Ciclano. A religião tem as suas verdades. A ciência também. Quem tem razão?

Na idade média, tivemos a Inquisição. Nessa época ─ na qual ocorreram os tribunais mais injustos da história da humanidade ─ quem se arriscava a questionar as verdades impostas pela Igreja sofria graves danos financeiros e morais. Isso se tivesse sorte, pois a pena de morte era extremamente comum, em métodos bastante cruéis. Em uma época em que os líderes religiosos exerciam grande poder político e moral, a verdade era o que os religiosos diziam. Era bastante contraditório, na verdade: uma instituição que pregava o amor ao próximo assassinava o próximo que discordava de seus preceitos.

Além disso, todos sabemos (ou imaginamos) o quanto essa era foi um atraso para a evolução humana e tecnológica. Os cientistas eram hereges. Tentar entender o funcionamento das coisas, da natureza e até mesmo do corpo humano era um grave atentado à fé. Portanto, só poderia mesmo ser coisa do capeta. Muitos cientistas ─ vários deles grandes heróis da ciência moderna ─ tiveram que viver e conviver como se fossem a escória da humanidade, como se fossem aberrações. Muitos deles, infelizmente, morreram antes de divulgar para o mundo as grandes descobertas que suas mentes brilhantes haviam realizado.

Pois bem, o tempo passou, a humanidade evoluiu (pouco) e os direitos humanos também. A Igreja se deu conta dos absurdos que cometeu, e foi perdendo seu poder político. A ciência então teve livre acesso pra evoluir, e isso segue até os dias atuais, com altíssimos investimentos destinados a pesquisas científicas. Nesse ponto, parece sensato entender que há um equilíbrio, pois ninguém é obrigado a acreditar na religião e tampouco na ciência.  Temos livre-arbítrio pra acreditarmos naquilo que nos convém.

Mas podemos lançar um olhar por outro ângulo. Parece mesmo verdade que a grande inquisitora do século 21 é a ciência. Vivemos em um período sombrio em termos de verdade, pois algo só será verdade se for comprovada cientificamente. Se acreditamos em verdades não comprovadas somos taxados de ignorantes, místicos, loucos, ridículos e outras qualidades indesejáveis. E aí quem crê em um poder superior divino, por exemplo, ou em dons espirituais, passa a ser o excluído, o leigo, o ignorante, em termos de sabedoria. É obvio que as punições pra isso são bem mais amenas, mas o processo é exatamente o mesmo: impõem-nos a verdade absoluta e nos obrigam a crer nela. E mais uma vez o teor subjetivo da verdade escorre bueiro abaixo. Na idade média, foi a Igreja. Atualmente, a ciência assumiu esse papel.

Mas a pergunta permanece: o que é a verdade? Poderia qualquer uma dessas duas instituições (ou outra instituição qualquer) deter a verdadeira verdade? Nesse ponto, a filosofia assume um papel importantíssimo. A luz surge da discussão. Talvez a humanidade um dia chegue a um nível de evolução intelectual suficiente para saber tirar proveito dessa discussão que até hoje nunca teve uma conclusão satisfatória ─ provavelmente por ter sido, até então, guerra de egos . Talvez a humanidade aprenda, um dia, a dar importância para as várias contribuições que construíram a própria história humana, tanto a ciência quanto a religião. Quem sabe, então, a gente consiga realmente se aproximar de alguma verdade ─ qualquer que seja ─ e se é que ela realmente exista.

*O autor é psicólogo

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anderson.m.loro@gmail.com