Um homem que ateou fogo na ex-companheira, no primeiro dia de 2017, na frente do filho do casal, foi condenado a 31 anos de detenção, em regime inicial fechado. A condenação por homicídio reconheceu as qualificadoras de motivo torpe, emprego de fogo, dissimulação e feminicídio. A definição da pena levou em conta ainda, entre outros aspectos, o fato de o crime ter acontecido na presença da criança. A decisão é da 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que confirmou sentença proferida pela comarca de Campestre, mesma cidade onde aconteceu o crime.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, Jefferson Diego Caetano, comprou gasolina em um posto da cidade e, aproveitando-se de que a vítima, Renata Rodrigues Aureliano, na época com 29 anos, voltava sozinha da festa de réveillon, convidou-a para conversar. Ao se aproximar da mulher, ele despejou o líquido sobre ela e ateou fogo, ocasionando queimaduras em 90% do corpo da vítima e fugindo em seguida. Com o corpo em chamas, a mulher clamou por socorro e correu em direção à sua casa, ocasião em que seus familiares, dentre os quais o seu filho, então com 8 anos, tentaram apagar as chamas. A vítima não resistiu aos ferimentos e morreu.
Em julho deste ano, o Conselho de Sentença do Tribunal do Júri da comarca o julgou culpado e o homem foi condenado a 31 anos de detenção, em regime inicial fechado, sendo negado a ele o direito de recorrer em liberdade. No recurso à decisão, o ex-companheiro pediu para ser submetido a outro julgamento, alegando que o reconhecimento da qualificadora da “dissimulação” teria sido manifestamente contrário à prova dos autos.
O réu pediu ainda, no recurso, que não fosse considerado, para aumento da pena, o previsto artigo 121, § 7º, III, do Código Penal, que dispõe que a pena de feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade, se o crime for praticado na presença de descendente ou de ascendente da vítima. Caso mantida a causa de aumento, pediu que fosse reduzida a fração de aumento, em virtude de sua aplicação. Por fim, pediu a redução das penas-base. O Ministério Público, por sua vez, pediu que o recurso do homem fosse julgado improcedente.
Acervo probatório
Ao analisar os autos, o desembargador relator, Alberto Deodato Neto, observou que o princípio regente dos processos de competência do Tribunal do Júri é o da “soberania dos vereditos populares”, sendo que a cassação indiscriminada das decisões do Conselho de Sentença é uma violação grave e verdadeira ameaça à Constituição Federal. “A decisão do Conselho de Sentença somente deverá ser cassada por manifestamente contrária às provas dos autos quando diante de uma aberração, um erro crasso, esdrúxulo”, afirmou.
De acordo com o relator, aos jurados são apresentadas diversas teses, “podendo cada um deles optar pela que entender correta, sendo que o simples fato de a defesa não concordar com a escolha não implica a cassação da decisão do Júri, que seguiu uma das versões dos autos.” No caso em tela, os jurados acolheram a tese de que o réu, visando ocultar a sua intenção hostil, esperou a vítima em local próximo à residência desta e, aproveitando-se de uma falsa conversa, ateou fogo na mulher.
“Ao contrário do alegado pela defesa, a versão adotada possui, sim, amparo nos autos. Ressalte-se, já de início, que réu e vítima eram ex-companheiros quando dos fatos, tendo um filho fruto do relacionamento, o que permitiu uma aproximação mais fácil do acusado, que tinha certa abertura com a ofendida”, ressaltou o relator. O magistrado citou ainda relatos de testemunhas, como o do frentista do posto de gasolina onde o acusado comprou o combustível, que afirmou ter visualizado réu e vítima, no dia dos fatos, conversando nas proximidades da casa da mulher, sem verificar qualquer tipo de animosidade no diálogo.
O relator destacou também, entre outros pontos, relatos do irmão e de um vizinho da vítima, que estavam em casas muito próximas ao local do crime, e indicaram ter escutado, “repentinamente”, os gritos de mulher, não relatando qualquer princípio de discussão entre eles. Frisou também que os fatos foram cometidos por volta das 6h30 da manhã de 1º de janeiro de 2017, sendo “praticamente impossível” que o encontro do acusado com a mulher tenha sido fortuito. Não era cabível, assim, verificou o relator, a cassação do julgamento, “pois a decisão popular se encontra amplamente sustentada pelo acervo probatório.”
Em relação à pena fixada, o relator avaliou que ela foi estabelecida pelo juiz de primeiro grau, com estrita observância às disposições do art. 59 do Código Penal e com base nas condições reais do delito. Ressaltou que o sentenciante analisou, de forma desfavorável ao acusado, as circunstâncias judiciais relativas à culpabilidade, aos antecedentes e aos motivos, circunstâncias e consequências do crime.
“Quanto à culpabilidade, o magistrado, de forma bastante contundente, expôs os motivos pelos quais a conduta do acusado extrapolou os limites de reprovabilidade do tipo penal. A ação foi dotada de extrema brutalidade e frieza, sendo que a vítima, antes de falecer, agonizou por várias horas, com o corpo quase todo queimado”, acrescentou o relator.
Em relação ao aumento da pena, pelo fato de o feminicídio ter sido cometido na presença do filho da vítima, o relator afirmou que havia provas evidentes colhidas do próprio menino. Quando ouvido, ele afirmou que acordou com sua mãe gritando e “pegando fogo”. Disse que viu a genitora “com as peles todas caindo”. Destacou ainda que o pai matou a mãe da criança em frente à residência onde o menor também vivia, em horário em que ele certamente estaria em casa.
“Como muitíssimo bem salientado na decisão, o descendente da vítima presenciou sua mãe com o corpo ‘soltando pedaços’, segundo palavras do filho. Ressalte-se que, além disso, o menor viu a mãe agonizar enquanto seu corpo era queimado, razão pela qual se mostra justo o aumento na fração de 1/2 (metade).”
Assim, manteve a sentença, sendo seguido, em seu voto, pelos desembargadores Flávio Batista Leite e Kárin Emmerich.
Fonte: Tribunal de Justiça de Minas Gerais