Até os 17 anos, a berçarista Stefanie Rodrigues se via presa dentro de um padrão de beleza imposto pela sociedade: nascida negra e do cabelo crespo, passava por intensos tratamentos capilares para alisar as madeixas. “Eu odiava o meu cabelo e odiava ainda mais ter que alisar o cabelo porque eu deveria estar em um padrão em que eu nem era aceita”, conta.
Bolsista numa escola particular, Stefanie era uma das duas alunas negras do local. Para ela, o preconceito era aparente até no grupo de amigos. “Meu grupo de amigos era de meninos, eu e mais uma menina. Ela era branca e tinha o cabelo liso e longo. Teve um momento que ela começou a jogar os cabelos para um lado e para o outro e dizia ‘Olha meu cabelo como mexe’ e disse que o meu cabelo nem mexia. Isso me magoou profundamente. Tive vontade de juntar todo dinheiro que eu tivesse e alisar meu cabelo o máximo possível, mas também pensei ‘Vou deixar de ser quem sou para agradar outras pessoas que nem gostam de mim?”, relembra.
A partir daí, a jovem iniciou um processo que, na época, não era tão comum quanto hoje, o de transição capilar. Foram oito meses até que o cabelo voltasse a ser como antes. Primeiro, ela conta que parou de fazer químicas de alisamento e passou a usar trancinhas. Cinco meses depois, desfez o penteado e deixou os cabelos crespos à mostra. “Quando deixamos de alisar, o cabelo fica com duas texturas (lisa e crespa/cacheada), a transição termina quando fazemos o ‘bc’, que seria o ” grande corte” para tirar toda a química e a parte lisa do cabelo”, explica.
A iniciativa serviu de inspiração para que Stefanie se encontrasse e se amasse como é. Três anos após passar pela transição, a realidade é outra. De acordo com uma reportagem publicada pela Folha de São Paulo em agosto, a procura por cabelos cacheados no Google superou a de lisos pela primeira vez no Brasil – com crescimento de 232% no último ano. Isso porque, de uns tempos para cá, o processo de transição capilar tem sido cada vez mais aceito por mulheres.
Quem já passou pela transição ajuda quem quer iniciá-la e assim por diante. Foi com essa intenção que, há três meses, Stefanie entrou no projeto Melanina, criado em Vargem Grande do Sul (SP). “Nossa ideia é ajudar as outras meninas a se aceitarem, tornar tudo isso algo que cresça cada dia mais para que todas essas mulheres e meninas possam ter incentivo. Queremos tentar tirar o máximo de preconceito e comodismo que as pessoas têm, mostrar para elas que nem tudo é padrão”, conta Ana Laura Carvalho, uma das integrantes do grupo.
Atualmente com 11 integrantes, o Melanina realiza reuniões mensais e as participantes procuram conversar sempre pelas redes sociais. “Quando não conseguimos que todas as meninas venham, passamos o que foi dito para elas, nos comunicamos pelo WhatsApp também, nós temos um grupo”, explica. O propósito é, através de experiências pessoais, incentivar outras mulheres que queiram realizar a transição capilar. “Queremos conversar com essas pessoas e dar como exemplo nossas experiências de vida, tudo que já passamos até criarmos o projeto”, pontua.
Para Stefanie, a atitude é válida e satisfatória. “Ao andar na rua e ver o número de mulheres negras, e até de meninos aceitando o cabelo natural, é muito gratificante, é o que o Rincon Sapiência diz, na música ponta de lança, ‘pretos e pretas estão se amando’ e isso não tem preço”, finaliza.