
Nesta sexta-feira, 24 de outubro, a Câmara de Atividades Minerárias (CMI) do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam) deverá deliberar, em uma única reunião, as Licenças Prévias de dois grandes projetos de mineração de terras raras no sul do estado. Que é de altíssimo interesse internacional. A decisão, que pode definir o futuro da região do Planalto Alcalino de Poços de Caldas – que abrange os municípios de Poços de Caldas, Caldas, Andradas, Santa Rita de Caldas, Ibitiura de Minas e Águas da Prata (SP) – ocorre em meio a denúncias de irregularidades. E ainda durante crise de legitimidade que atinge o Copam, após a deflagração da Operação Rejeito pela Polícia Federal. A ação expôs suspeitas de corrupção e favorecimento a mineradoras em processos de licenciamento ambiental no estado.
Decisão com impacto para mais de 230 mil pessoas
A votação das licenças para os projetos Projeto Caldeira, da empresa australiana Meteoric Resources, e o Projeto Colossus, da também australiana Viridis Mining, definirá o futuro ambiental e social de uma região onde vivem mais de 230 mil habitantes. Pesquisadores e entidades ambientais destacam que a ausência de transparência e o ritmo acelerado do licenciamento colocam em risco a segurança hídrica. E também a saúde pública e o equilíbrio ecológico do Planalto Alcalino de Poços de Caldas. Território de importância geológica e ambiental singular no país.
Enquanto comunidades locais, pesquisadores e organizações ambientais reivindicam novos estudos, garantias técnicas e participação popular, o Copam – em meio a uma crise de legitimidade sem precedentes – pode decidir, em poucas horas, o destino de toda uma região nos próximos 15 anos.
Classe 06 – alto potencial de impacto
Ambos os projetos pautados para votação – Caldeira e Colossus – são classificados como Classe 06. Isso conforme a Deliberação Normativa nº 217 do Copam, que estabelece os critérios de porte e potencial poluidor dos empreendimentos em Minas Gerais. Essa é a categoria mais alta do estado, reservada a atividades de grande porte e alto potencial de impacto socioambiental.
Juntos, os empreendimentos de mineração preveem movimentar, anualmente, mais de 10 milhões de toneladas de argila, e demandam cerca de 180 mil m³ de água por mês (6 mil m³ diários. Volume suficiente para o abastecimento diário de uma cidade de até 40 mil habitantes, um volume crítico em uma região já sob alto risco climático de seca. Contudo, os estudos de impacto ambiental dos empreendimentos foram conduzidos de forma isolada. Como se o outro projeto, que impacta a mesma região, não fosse existir. O que constitui uma grave falha técnica em avaliar o impacto sinérgico dos dois empreendimentos. Uma vez que desconsidera a sobrecarga cumulativa na sub-bacia do ribeirão das Antas.
Irregularidades e omissões nos estudos ambientais
Entidades da sociedade civil e pesquisadores apontam falhas graves nos Estudos de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) dos projetos Caldeira e Colossus, que serão votados pelo Copam. As análises indicam omissões de informações estratégicas, ausência de manifestações obrigatórias de órgãos federais. E ainda desconsideração de impactos sobre populações urbanas e áreas protegidas.
Caldeira
No Projeto Caldeira, da Meteoric Resources, o próprio parecer da FEAM reconhece que as instalações da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) estão inseridas na Área Indiretamente Afetada. Atualmente o complexo está em descomissionamento e contém mais de 12 mil toneladas de rejeitos radioativos e barragens contaminadas. Essa informação, porém, foi omitida pela empresa nos estudos apresentados. Apesar da presença de material nuclear a menos de 1,5 km das futuras minas, não houve solicitação de parecer de órgãos como Ibama, ANSN, CNEN e da própria INB. O que representa violação de normas federais de segurança nuclear.
Outro ponto crítico é a inclusão do município de Andradas na Área Diretamente Afetada, o que exige a emissão de certidão municipal de uso do solo. Documento obrigatório que não consta no processo. O projeto também incide sobre a zona de amortecimento do Santuário Ecológico da Pedra Branca, unidade de conservação municipal cuja manifestação técnica foi ignorada.
Colossus
Já o Projeto Colossus, da Viridis Mining, prevê cavas a menos de 1 km de bairros habitados da zona sul de Poços de Caldas, onde vivem cerca de 60 mil pessoas. A proximidade com escolas, hospitais e residências expõe a população a poeira, ruídos, vibrações e risco de contaminação atmosférica. O EIA não apresenta modelagem adequada da dispersão de particulados nem considera o histórico de escassez hídrica da região.
Água e saúde pública
Estudos técnicos locais demonstram que os empreendimentos demandariam mais água do que o sistema atual pode fornecer, sem que o DMAE tenha comprovado a viabilidade. Diante disso, o Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha) recomendou a suspensão do licenciamento do Projeto Colossus. Alertando para impactos no Complexo Hidrotermal e na Serra de São Domingos. Ambos tombados como patrimônio cultural e essenciais para o abastecimento de água e a manutenção das fontes termais.
Os riscos à saúde pública também são citados. Dados do Tribunal de Contas de Minas Gerais mostram que municípios com atividade minerária têm índices significativamente mais altos de doenças respiratórias, circulatórias e sensoriais. Segundo o levantamento, a mortalidade por doenças do sistema circulatório é 61% maior nessas cidades. E o tempo médio de internação hospitalar é 32% superior à média estadual. Apesar com enfoque na mineração de ferro, o estudo teve menção pela própria FEAM como referência para análise dos impactos à saúde no Projeto Colossus.
Conselho Ambiental sob suspeita e com mandatos vencidos
A deliberação sobre grandes projetos de mineração ocorre em meio a uma crise de legitimidade do Conselho Estadual de Política Ambiental de Minas Gerais (Copam), abalada após a Operação Rejeito, deflagrada pela Polícia Federal em setembro de 2025. A investigação aponta um esquema de corrupção no licenciamento ambiental que teria rendido cerca de R$ 1,5 bilhão em vantagens indevidas a mineradoras, segundo a PF e a Controladoria-Geral da União (CGU). Quinze pessoas foram presas, entre empresários e servidores públicos, incluindo Rodrigo Gonçalves Franco, ex-presidente da FEAM, e Caio Mário Trivellato Seabra Filho, então diretor da Agência Nacional de Mineração (ANM).
O Copam foi diretamente citado na operação. O conselheiro Fernando Benício, da ONG Zeladoria do Planeta e integrante da Câmara de Atividades Minerárias (CMI), sofreu afastamento sob suspeita de ter recebido propina para favorecer a Fleurs Global Mineração Ltda. O presidente da CMI, Yuri Rafael de Oliveira Trovão, embora esteja em investigação, conduziu a reunião que aprovou licenças ambientais dessa mineradora em agosto de 2024. A empresa está entre as mais autuadas por infrações ambientais no estado.
Além das suspeitas criminais, o Copam segue operando com mandatos vencidos desde maio de 2025, sem renovação de seus membros, em desacordo com a Deliberação nº 1.786/2023. A composição atual teve prorrogação de forma indefinida pela Deliberação nº 2.054/2025. Medida criticada por entidades da sociedade civil que questionam a legitimidade e a representatividade do conselho.
Validade jurídica
Especialistas em direito ambiental alertam que a permanência de conselheiros com mandatos expirados compromete a validade jurídica das decisões. A situação se agrava com a renúncia do Instituto Heleno Maia de Proteção à Biodiversidade (IHMBio). Formalizada em reunião da Câmara de Biodiversidade no dia 23 de setembro, mas ainda não publicada no Diário Oficial. O que pode indicar tentativa da Semad-MG de evitar questionamentos sobre quebra de paridade no órgão.
Servidores do Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Sisema) estão em greve há mais de 50 dias, a maior paralisação da categoria. Eles também contestam a legalidade das votações. Em carta aberta, o sindicato questiona com base em qual legislação o Copam tem mantido a segurança jurídica de seus atos. E cobra transparência e recomposição imediata das câmaras técnicas.
Juristas defendem que, diante das denúncias de corrupção, da ausência de recomposição democrática e dos riscos de nulidade das decisões, suspender temporariamente as deliberações do Copam seria uma medida necessária para garantir a legalidade e a confiança institucional no processo de licenciamento ambiental em Minas Gerais.
Mobilização popular cresce contra os projetos de mineração
Enquanto o Copam se prepara para deliberar sobre os projetos, a sociedade civil tem se organizado em forte contraponto às mineradoras estrangeiras. No último dia 4 de outubro, um ato público realizado no centro de Poços de Caldas reuniu centenas de pessoas em defesa da água, do território e da participação social.
O evento, organizado pelos coletivos Unidade Popular e @terraviva_aguarara, teve como principal pauta a revogação da Certidão de Uso e Ocupação do Solo. Ela teve emissão em 2024 pela prefeitura para o Projeto Colossus, da Viridis Mining. A gestão do ex-prefeito Sérgio Azevedo concedeu a certidão no fim do mandato, com participação direta do atual prefeito Paulo Ney, então secretário de Governo, sem qualquer diálogo público ou consulta popular.
Durante o ato, manifestantes destacaram os riscos de dispersão descontrolada de poeira nos bairros atingidos, o comprometimento do abastecimento hídrico e a ausência de transparência no processo de licenciamento. O movimento também lançou um abaixo-assinado popular. E desde junho coleta assinaturas pela anulação da certidão e pela suspensão do processo de licenciamento. O documento encontra-se em fase final de contagem para ser entregue ao poder público municipal.
Nas redes sociais, o grupo @terraviva_aguarara mantém uma atuação constante de divulgação dos impactos dos empreendimentos. Compartilhando informações técnicas, promovendo o debate público e mobilizando a população para acompanhar todas as etapas do processo de licenciamento ambiental das empresas.