
“A vila de Poços, côncava e mais funda do que uma cratera, entre bordos de outeiros e montes, sob a doçura límpida de um céu desanuviado e azul, com a sua paz de campo quase entrando no sertão, é um fervedouro de águas maravilhosas”. (Coelho Neto, Água de Juventa)
Um mapa de 1865, elaborado pelo engenheiro Martiniano Fonseca dos Reis Brandão, já registrava um distrito sulcado de ribeirões e córregos. Fundada oficialmente em 6 de novembro de 1872, a vila se estruturava em torno do balneário dos Macacos, então chamado de Poço Velho, situado em uma península rodeada pelo ribeirão de Poços. Esse ribeirão nascia no Cascatinha (cachoeira do Serrote) e seguia em ziguezague até o centro. A rua da Vala, hoje Francisco Salles, era atravessada por rústicas pinguelas que ligavam o povoado aos altos da Vila Pinhal.
Na década de 1880, Poços de Caldas era um cenário de abundância líquida. Dois grandes córregos, com nascentes na serra, alimentavam as fontes e banhavam os vales. As inundações eram frequentes durante as chuvas de verão, As águas subiam até cinco metros acima do nível normal, mas escoavam rapidamente. O distrito era cortado por uma teia de ribeirões: o dos Poços, o Vai-e-Volta e o da Serra, além de córregos menores como o da Divisa, o dos Pinheiros e o do Capãozinho. A paisagem era úmida, viva, e o som constante das águas acompanhava o ritmo da vila.
“Pantanal”
O mais curioso, porém, era o grande pantanal que se estendia na face nordeste, na região onde hoje estão o Palace Casino, o Parque José Affonso Junqueira e a parte inferior da Francisco Salles. Esse terreno alagadiço, alimentado pelas fontes sulfurosas, formava uma vasta lagoa. Qualquer chuva mais intensa fazia extravasar o ribeirão que corria à flor da terra. Na zona da fonte Sinhazinha, os atoleiros eram temidos pelos viajantes. Uma lembrança de que Poços nasceu entre brejos e nascentes.
Em 1908, a Companhia Termal de Poços de Caldas inaugurou um novo tempo para a cidade. Implantou a rede de abastecimento de água potável, calculada para atender uma população de até 12 mil habitantes, e construiu também o sistema de esgoto. Guardas ficavam nas represas para zelar pelas matas e pela pureza das águas. A companhia canalizou ribeirões e redesenhou o traçado da cidade, deslocando cursos d’água e aterrando valas. Foi o início da transição entre a Poços rústica, de pinguelas e brejos, e a estância planejada que começava a se consolidar.
Consciência ambiental
O engenheiro Chiapori, responsável por parte das obras, chegou a propor o desvio do ribeirão das fontes para construir uma represa onde se realizariam regatas e festas aquáticas. O projeto, no entanto, teve veto do médico Dr. Pedro Sanches, defensor da preservação das nascentes. Um gesto pioneiro de consciência ambiental.
Até 1910, o abastecimento ainda dependia, em parte, de mananciais particulares, como o do Cascatinha (Fonte dos Amores), o Procópios, o Itacurussá e o Machado, que serviam diferentes bairros e residências. Em 1913, a prefeitura incoporou o sistema e reformou toda a rede em 1927.
Já naquele início de século, a preocupação com o uso racional da água era tema de debate público. Em 1904, o médico David Ottoni publicou um artigo na Revista de Poços, denunciando a desigualdade no acesso à água potável e o risco de contaminação do subsolo. Ele alertava para “a situação perigosa que o abandono e a condescendência vão criando para o nosso subsolo com o sistema de esgoto geralmente empregado pela população”. Chamando atenção para a necessidade de preservar as fontes que faziam da vila uma raridade natural.
Entre ribeirões, córregos e fontes, Poços de Caldas cresceu como quem floresce à beira d’água. Cada canal retificado, cada represa construída e cada nascente preservada ajudaram a moldar uma cidade que aprendeu, desde cedo, a conviver com sua própria natureza. Feita de montanhas, vapores e águas que, há mais de um século, continuam a contar a história de sua origem.
(Fontes: Síntese Histórico-social, de Mário Mourão – Poços de Caldas, de Homero Benedicto Ottoni – Memórias Históricas de Poços de Caldas, de Nilza Botelho Megale do site do Departamento Municipal de Água e Esgoto)








