A história se passa na fria São Peterburgo no século XIX. Um servidor público inexpressivo e desinteressante vive sua rotina de trabalho, casa, casa, trabalho. Sem amigos e sem glamour, ele é praticamente invisível.
O Capote, espetáculo que o Teatro da Urca recebe neste sábado (4) e domingo (5), é baseado na obra do escritor russo Nikolai Gógol, um dos principais autores da literatura do século XIX. Na adaptação de Dráuzio Varella e dramaturgia de Cássio Pires, o personagem principal Akaki Akakiesvitch precisa de um novo capote, uma espécie de casaco, e quase miserável que é, economiza por praticamente um ano para conseguir a roupa.
Mais do que simplesmente contar as desventuras do funcionário que é visto, mas não é notado, a peça debate os dramas da vida, como a valorização do ter ao invés do ser, as aparências, a opressão dos menos favorecidos, o bullying, a desigualdade e a invisibilidade do sujeito.
O ator Rodolfo Vaz, que interpreta Akaki, é apaixonado pelo conto e pelo personagem. “É um personagem puro, que me atrai, me atrai a pureza, a ingenuidade e a falta de ironia. E foi a primeira vez que um personagem ordinário, comum, foi retratado como o protagonista, mas como o escritor era muito irônico, era um crítico muito forte da burguesia, do institucionalizado, o Akaki nem ganhou o nome da novela, o título. A história começa em uma repartição, que é o lugar onde ele trabalha, na escala mais baixa no funcionalismo público russo, então é a pessoa mais humilde dentro do lugar. É um personagem do povo retratado em um conto de uma maneira muito bonita, irônica”, destaca.
A história é antiga, mas o enredo é moderno. Antes, com um capote velho e remendado, Akaki mal era notado e desprezado pelos colegas, nunca saía da rotina. Com um casaco novo, adquirido por necessidade e não por ostentação, o personagem ultrapassa os limites da barreira social, mas ainda mostrará como é difícil ter voz.
“Esse capote novo o torna dentro da sua repartição uma pessoa mais parecida com os outros dentro da sua repartição. Eles reparam um pouco mais nele, ele chega a um ambiente dos outros funcionários que vivem melhor e meio que atravessa esse portal social. Não que ele acredite ou queira isso, porque ele trocou o capote por uma necessidade, porque o frio mata, mas isso deu a ele um status, o colocou em um mundo que não era o dele, mas ele ficou feliz de ser chamado pelo nome e começa a ser visto a partir do objeto. Então estamos falando da objetificação, como tem da mulher, de ícones modernos e do ter acima do ser”, comenta.
A peça conta ainda com dois narradores, que de certa forma ajudam (ou não) ao protagonista a contar sua história. Os atores Marcelo Villas Boas e Juliane Guimarães dão voz a esses personagens.
“Para mim é muito prazeroso, extremamente gratificante estar nesse trabalho, porque além de todo estético e artístico que a peça tem, acho que a mensagem é muito importante, o conto em si. Embora ele seja muito antigo, está muito atualizado, acho que a forma que a gente trouxe o conto pra cena, a dramaturgia cênica para esse conto, o torna mais dinâmico. O público reconhece essa atemporalidade do texto, então é incrível”, conta Marcelo.
“Antes de mais nada é uma novidade pra mim porque eu vou estrear aqui em Poços, o espetáculo já existia e eu estou substituindo no papel de narrador, então tem a expectativa. Mas eu já tinha assistido o espetáculo e enxergava esses narradores como impossibilitadores, digamos assim. É como se a gente representasse tudo que não deixa o cidadão falar, não deixa ele ter voz e conseguir se expressar, estão sempre limitando e direcionando, quase manipulando. É muito atual por conta disso, a gente se vê hoje em situações que a gente não tem escolha, não tem voz”, finaliza Juliane.
O final dessa história pode ser conferido neste sábado, às 20h, ou no domingo, às 19h, no Teatro da Urca. Os ingressos custam R$ 10 (inteira) e R$ 5 meia e podem ser adquiridos na bilheteria do teatro, duas horas antes das apresentações.