Escritor lança livro-reportagem sobre cegueira no Flipoços

Literatura
Escritor é estudioso de jornalismo literário (foto: divulgação).

 

O Festival Literário de Poços de Caldas (Flipoços) e a Feira do Livro, que acontecem até o dia sete de maio no Espaço Cultural da Urca, são procurados por inúmeros autores. Especialmente escritores independentes, que têm o objetivo de divulgar suas obras e conversar cara a cara com os leitores.

Um deles é o paulista André Barretto, administrador e jornalista que vem à feira para lançar o livro-reportagem Cegueira Sem Ensaio, que narra 12 histórias de pessoas que adquiriram a deficiência ao longo da vida. André participa do Flipoços nesta segunda-feira (1º). Em uma palestra na Biblioteca Centenário, ele conversa com o público sobre jornalismo literário.

Poços Já entrevistou o autor com exclusividade. Confira:

Poços Já: Como surgiu o convite para participar do Festival Literário de Poços? Você já tinha conhecimento do evento? Quais as expectativas?

André Barretto: Fui indicado ao pessoal da organização por Andréia Torres, que já trabalhou no evento. Surpreendentemente não conhecia, apesar de ser um evento de alcance nacional. Estou feliz em participar e espero contribuir com boas discussões literárias em torno do tema da cegueira adquirida, tema do meu livro Cegueira sem Ensaio, e jornalismo literário, que é a minha área da escrita.

Poços Já:  Além de lançar seu livro, você também vai bater um papo com o pessoal sobre jornalismo literário. O que pode adiantar para nós?

André: Jornalismo literário é apaixonante para quem lê e para quem escreve. Trata-se da utilização de recursos literários na construção de textos de não ficção. São muitas as possibilidades de abordagem do encontro desses dois mundos. Podemos falar de estruturação de narrativas pela Jornada do Herói, transpor as teorias de Ítalo Calvino em Seis Propostas para um novo milênio, estudar os pilares segundo Sims e Kramer, ou falar da origem deste tipo de jornalismo pela influência das técnicas dos romances realistas, o qual será enfatizado na palestra.

Poços Já: Agora falando especificamente do seu livro. Como surgiu a ideia de escrever pessoas que adquiriram a cegueira e não que nasceram propriamente cegas? O que acredita que sejam as principais diferenças entre elas?

André: Escolhi o tema cegueira porque a visão é responsável por até 70% na formação de uma experiência composta pelos sentidos e, na minha concepção pessoal, é a pior de se perder entre as outras quatro (audição, tato, paladar e olfato). Além disso, o subtema “perda”, e como lidar com isso, é interessante para mim e me motivou bastante a fazer o livro, também porque desde o início um dos principais objetivos do livro era narrar histórias de reconstrução de vida.

Um dos grandes desafios do jornalismo literário é conseguir passar ao leitor os sentidos através do papel. Ou seja, o autor precisa aguçar os sentidos do leitor para que ele sinta cheiros, formate os sons, visualize as imagens, pois o livro é uma construção cena a cena, como se você estivesse vendo um filme, e utilizar os sentidos ajuda na elaboração das imagens no cérebro do leitor. E por que não abordar a perda de um desses sentidos?

Acho difícil fazer uma comparação porque me aprofundei no tema da cegueira adquirida por meio de uma imersão, etapa fundamental em jornalismo literário, durante seis meses. Mas sem dúvida cabe o respeito e admiração por todos deficientes visuais.

Poços Já: É possível tratar de um assunto tão sério quanto este de uma forma mais delicada e sensível? O jornalismo literário ajuda nisso?

André: Realmente em jornalismo literário  há um empenho em humanizar as histórias contadas (um dos pilares propostos por Sims e Kramer). Se você diz respeito a contar estas histórias com adequação de linguagem e apuração completa para ser leal aos fatos, podemos usar o termo sensibilidade. Quanto a delicadeza, não acredito ser o melhor termo. Até porque não há fragilidade nestas histórias, há perdas enormes e forças interiores ainda maiores para a reconstrução de cada um.

Poços Já: Por que a narrativa de não-ficção? Quais os maiores desafios dela?

André: Temos grandes histórias no mundo real. Os relatos por serem de não ficção causam ainda mais empatia por parte do leitor, porque qualquer um está sujeito a passar pelas mesmas provações e experiências. O maior desafio é encontrar estas histórias de vida “escondidas” em todas as cidades, bairros, casas. Isto é, um vizinho pode ter uma história de vida incrível e ninguém ter ideia. É preciso buscar por estes personagens de histórias reais. O maior desafio é utilizar os recursos literários dos mais variados para passar para o leitor uma história ainda mais fidedigna, com seus contextos e implicações, que a própria capacidade narrativa de quem a viveu.

Poços Já: Seu livro é especialmente diferente. Uma das razões é a diagramação, que começa em páginas bem escuras que vão clareando com o passar das páginas. Como ela foi pensada e o que diz a respeito da narrativa?

André: Cegueira sem Ensaio começa com páginas pretas representando a ausência total de luz, porque esta é a primeira ideia que se faz quando falamos em perda de visão. No primeiro capítulo estão pequenas narrativas do momento da perda da visão dos doze personagens.

A partir do segundo capítulo conto a história de cada um deles em uma sequência dos que estão começando a reabilitação aos mais reabilitados, com vidas de realizações e conquistas, muitas vezes maiores do que a maioria das pessoas que conheço viveram. Como por exemplo, utilizar a capacidade da mente humana para criar imagens, como se estivessem vendo tudo que acontece em torno deles.

Portanto, a cada página o tom vai clareando, as histórias vão ganhando luz, os deficientes visuais e o leitor vão percebendo que, conforme disse Jorge Luis Borges, “o mundo dos cegos não é a noite que as pessoas supõem”. Trata-se de alcançar, no último capítulo, de fundo branco, a presença total de cores e luz na cegueira.

Poços Já: O título também faz alusão à conhecida obra de José Saramago, Ensaio sobre a Cegueira, como foi esta escolha?

André: A alusão à obra de Saramago ocorre porque proposta a dele é inversa à minha. Em Ensaio sobre a Cegueira (Saramago), a narrativa ocorre através de um autor de ficção, pensando em uma cegueira imaginária coletiva e fazendo elucubrações sobre o que  aconteceria na sociedade. Aqui, não: Cegueira sem Ensaio apresenta casos individuais de personagens que relatam, para o autor e para o leitor, a experiência da perda da visão e retomada da vida, de forma que torna possível a nós formar um panorama, um mosaico, e ter uma dimensão aproximada do que é a cegueira adquirida.

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