“Vamos ocupar o espaço com arte”. Essa é a chamada da Cia Nós de Teatro no Facebook para a oficina de jogos teatrais realizada na Fonte do Leãozinho no mês de março.
Li em livro do professor Yuri de Almeida Gonçalves, que hoje está Diretor do Museu, que o nome que deram à própria fonte, Pedro “Botelho”, é inventado por uma pessoa. Não existe nenhum Pedro. O nome é uma variação do popular “Pero el Botero”, demônio em latim. Claro, existem águas sulfurosas carregadas de cheiro de enxofre por lá. Depois, virou Fonte do Leãozinho pela popularidade da fonte e seu formato. Repetia essa história para crianças do Bairro São José, o “Serrote”, tentando entendermos juntos porque os apelidos de lugares sempre existem e porque eles, quase sempre, são mais famosos que o próprio nome. Me parece que isso acontece quando mais de uma pessoa toma as decisões.
A ação da Cia Nós de Teatro parte desse princípio de coletivização de denominações trazendo à tona um novo horizonte para os recursos.
Onde vê-se uma fonte, vê-se um palco, um anfiteatro, um equipamento cultural. No marketing digital chamamos isso de realidade aumentada, tem o custo caro e só é possível quando passa por celulares, tablets e até óculos especiais. Com lupas mágicas, tentamos reaver nossos olhos de criança e “gameficamos” o negócio. Tornamos-o uma brincadeira. Brincamos de fingir que as coisas são outras.
Na esfera privada é onde o brincar, desse jeito tecnológico, ganha cada vez mais investimento, mas na pública ainda é diferente: é a arte que tem recriado nossos olhos de crianças. Simplesmente porque o wifi das praças ainda é uma porcaria. E não dá pra conectar todos ao mesmo tempo. Assim, a arte desenha pra gente. Qualquer vento é um ar condicionado. Qualquer ladrilho uma confortável poltrona. O sol, um grande refletor cênico. Um pipoqueiro e um carro de churros são indispensáveis na vernissage de rua. Temos um teatro na Fonte do Leãozinho em Poços de Caldas. Basta ver com vontade.
O grupo de atrizes e teatrólogas que formam a Cia Nós de Teatro resolveu fazer uma aula pública e gratuita de teatro, em duas datas no mês de março. Viram com vontade. Façamos a pergunta óbvia: qual o retorno disso?
Leidy Nara, atriz da companhia, respondeu rápido pelo Facebook quando perguntei. “Sem dúvida, o maior retorno é o compartilhamento e a troca de energia e saberes”. Ela não mente. As trocas são diversas e sabemos que empreender é haver no outro o desejo ou a necessidade do que você tem. Se não, criar.
Mas empreendedores da esfera pública têm que ter um tato mais aguçado. E o enxergo na continuação da resposta da Leidy. “Ver o olhar das pessoas assistindo uma aula de teatro gratuita na rua, ao mesmo tempo que devem pensar que somos malucos, admiram o trabalho e conhecem, mesmo que superficialmente, sua essência e sua filosofia. Uma maneira de trazer as pessoas mais pra pertinho da arte, afinal, teatro está dentro da comunicação, não é? Então vamos comunicar e o jeito que encontramos para trazer público pro teatro foi dando teatro neles”.
Uau. É aqui que entendemos melhor o que é empreender cultura na esfera pública – arrisco dizer o que é também na arte, para quem vive dela.
Na esfera pública a demanda sempre existe. Mas só a atenderemos a partir de um prisma coletivo, onde a sociedade em si mesma é oferta e demanda. É a arte correndo pela sociedade que evidencia nela a vontade pela arte. É experimentando o teatro como algo natural e presente em seu espaço de convívio, que fará com que pessoas procurem pelo teatro em outros espaços, como o próprio Teatro Municipal.
Nesta esfera, é preciso ter uma motivação que vá além da visão. É preciso que você remexa em seus sonhos para encontrar os sonhos dos outros. E o “eu” precisa ser um elemento contido no grupo os “outros” em um sistema tridimensional chamado Cultura. Para se motivar a partir desta concepção é necessário estudar, pesquisar, ir a lugares incomuns. Experimentar ver um mundo diferente, feito por pessoas fora do seu círculo social. Se provocar. Ser provocado junto às outras pessoas, para depois provocá-las. Lembre-se, a demanda e oferta moram no mesmo lugar. E eu aceitaria a ideia que este lugar é uma praça pública.
A Cia Nós de Teatro empreendeu para um monte de gente que andava pela rua e que vê no teatro uma surpreendente história, uma arte para conhecer os limites do seu corpo e imaginação, algo que torna as pessoas atores e atrizes, ou apenas uma bobeirinha divertida que faz até sorrir. Mas elas sabem agora que tudo isso são coisas da arte. Essas pessoas ainda continuarão a saber que o wifi é triste, que a praça tem a mesma fonte de leão e que o barulho dos carros poderia ser menor. E algo novo: que o teatro é também uma coisa para elas.
Renan Moreira é gestor cultural no Coletivo Corrente Cultural em Poços de Caldas e Assistente de Projetos Culturais na Prefeitura de Pouso Alegre. A Cia Nós de Teatro realiza espetáculos, peças e oficinas. Está no Facebook como @CompanhiaNosdeTeatro.