O grafiteiro Paulo Ito, natural de São Paulo (SP), está em Poços de Caldas para participar do Projeto Parede. Até sexta-feira(28), ele cria na fachada do Sesc um desenho que critica a comunicação de massa, principalmente a televisão.
Reconhecido internacionalmente, o pintor de rua é o autor de uma obra que esteve em veículos de comunicação em todo o mundo. Leia a entrevista concedida ao Poços Já – Divirta-se:
Poços Já: Como é a obra que você está pintando aqui em Poços?
Paulo Ito: Aqui tem quatro ovelhas assistindo TV, e tem esse apresentador, que ainda não sei exatamente como eu vou fazer, mas provavelmente é uma ovelha também. E essa ovelha do meio, que seria a ovelha negra, está falando que a outra ovelha (o apresentador) é um lobo na verdade. As outras ovelhas estão falando para ela ficar quieta, que querem assistir tv.
Poços Já: Uma crítica evidente à comunicação de massa.
Paulo Ito: A televisão acabou chegando num lugar de prestígio com o povo, então eventualmente quando alguém fala mal, alguém fala contra, essa pessoa não é muito bem recebida. É um pouco da minha experiência com a grande massa, com a população menos informada. Eles têm esse tipo de reação. Então o meu trabalho acaba tendo mais êxito com quem tem um pouco mais de informação e cultura. A massa em si ficou um pouco blindada pelos meios de comunicação de massa. Então, ao mesmo tempo não é um trabalho de entendimento muito simples. Tem uma certa complexidade, mas é uma contradição do meu trabalho. Eu atuo no Brasil, prioritariamente, que é um país que tem muitas questões, em diversos sentidos. A mídia de massa é uma delas. E não deixa de ser também o lugar em que as pessoas entendem menos o meu trabalho, então é uma contradição.
Poços Já: Onde as pessoas entendem melhor o seu trabalho?
Paulo Ito: Eu sinto que tem uma afinidade com a França, no meu caso, especialmente depois do viral que eu fiz na Copa do Mundo. Teve esse reconhecimento na Europa, especialmente na França, na Alemanha, países que as pessoas concentram uma leitura um pouco mais elaborada do meu trabalho. Eu vivo assim, mas não me interessam as questões da França. Eu não vou para lá pintar. Me interessa o Brasil, que é onde eu moro, onde eu vivo, é onde tem inúmeras questões, acho que muito mais do que a França ou os países da Europa, que certamente têm muitos problemas também. É aqui que eu vou atuar e as pessoas, de alguma maneira, talvez não entendam com muita facilidade, mas imagino eu que com o tempo elas também vão se familiarizando e também tendo a intenção de ter uma certa leitura no trabalho. Porque esse trabalho da maneira que eu faço, realmente muito pouca gente no Brasil faz. A maioria está mais preocupada em colorir, em alegrar. A minha preocupação é de crítica mesmo.
Poços Já: Você está falando do “Starving Boy”, certo? Como foi essa criação?
Paulo Ito: É interessante porque, quando ele saiu em um site americano que tem mais de 30 milhões de visualizações por mês, esqueci o nome da mídia, teve uma repercussão bastante grande. Depois que saiu nesse site um jornalista francês, se não me engano, perguntou de onde eu tinha tirado a ideia. Eu falei que era natural, que surgiu naturalmente. Depois ele perguntou se eu não tinha me inspirado no Goin, que é um artista francês, justamente. Aí eu me lembrei que tinha visto uma arte que ele fez em Atenas e ela que me inspirou. É um garoto com uma bola do lado e tá escrito “Mais comida e menos futebol”. Aí eu tive o start. Eles têm esse senso de humor mais crítico, é bem peculiar do francês e tem muito a ver com o meu. Não sei por quê. Eu só estive na França uma vez e não me lembro direito, porque era muito pequeno.
Poços Já: A crítica à comunicação de massa está sempre presente nas suas obras?
Paulo Ito: Esse tipo de trabalho às vezes é contrário à mídia de massa. Tem essa liberdade que muitos artistas não se dão conta. Eu vejo muitos reclamando em mídia social, falando bastante, dando a sua opinião e criticando bastante a situação do país. Mas não vejo isso no trabalho deles. Acho que, quando você pinta na rua tem a oportunidade de falar o que você quiser. Aqui, claro, eu estou sendo contratado pelo Sesc. Então apresentei três desenhos. Eu tinha um outro que era muito mais agressivo, tem que fazer esse meio termo.
Poços Já: Como era esse outro?
Paulo Ito: O outro é um executivo, um cara com poder, ou talvez um político engravatado, e tem esse deficiente físico sentado na calçada. Ele está com uma lata, pedindo esmola, mas não tem as mãos. Esse executivo segura uma moeda e, se ganhar no par ou ímpar, a moeda é do mendigo. Mas ele não tem mão, então mostrava essa situação dessa pessoa que tem poder e diz que vai ajudar, de uma certa maneira, mas não é efetiva.
Poços Já: Como você vê a questão dos grafiteiros e pichadores intervindo no patrimônio público? Aqui em Poços de Caldas, o governo estadual restaurou um prédio histórico, o Palace Casino, e logo depois ele estava pichado. A justificativa seria de que o grafiteiro quer que o patrimônio tenha a sua cara, e não a cara da burguesia.
Paulo Ito: É uma questão bastante polêmica. Lembro que o primeiro grafiteiro que eu conheci foi o John Howard, no final da década de 80, quando eu era criança. Ele pintou o ônibus do Jânio (Quadros, então prefeito de São Paulo), que o Jânio tinha pintando na época. Ele tinha pintado todos os ônibus de vermelho. E o John Howard, na época devia ter uns 40 anos, hoje ele tem mais de 70, pintou o ônibus porque o dinheiro da pintura era dele também. Então ele tinha essa visão. Eu achei uma visão coerente por um lado e talvez um pouco agressiva por outro, mas tem esses dois lados da moeda. Acontece isso muito em São Paulo também. Você tem viadutos que os grafiteiros, ou pichadores, fazem essa intervenção no público e até mesmo no privado. É um tipo de justificativa, mas ao mesmo tempo não é muito durável. Não sei se é uma ação tão efetiva, porque o poder público está sempre reformando ou pintando em cima. Tem uma teoria de um carro pichado, é uma teoria gringa. Botaram um carro sem pichação e outro com. O com pichação foi rapidamente vandalizado e outras pichações apareceram. O poder público sabe disso e o vândalo, o grafiteiro, também sabe. Se o lugar está deteriorado acaba chamando esse tipo de intervenção e o poder público sabe que, se deixar, realmente vão acontecer mais intervenções nesse sentido.
Poços Já: Você estava pintando com um rolo e não com spray. Como é a sua técnica?
Paulo Ito: A técnica depende muito do painel. No caso, quando o painel é um pouco maior normalmente eu uso látex. Quanto maior, mais látex e menos spray. Aqui, no caso, o spray vai entrar somente para finalização. Isso é conhecido no mundo como “brazilian style”, que é com o uso de látex e vem de uma adversidade. O spray no Brasil está por volta de 15 a 20 reais, enquanto que na Europa custa três euros. E continua custando três euros, não é que nem aqui, que o preço vai subindo. Então nessa adversidade o brasileiro sempre pinta com látex por ser mais barato. Acho que a maioria dos artistas continua fazendo isso.
Poços Já: A obra fica exposta atá 20 de novembro. Depois disso vão apagar?
Paulo Ito: Vão apagar e imagino que vai entrar outro artista. Aqui, a parede era chapiscada, tinha o logo do Sesc em relevo em uma superfície redonda. Eles removeram. Acredito que venham outros artistas.
