Chego pontualmente às 15h, como havíamos combinado, mas ela pede para eu aguardar um pouco. Dez minutos depois, abre a porta. Maquiagem, vestido novo e um perfume forte. Ela diz: “Não é fácil virar uma deusa durante o dia. Quanto mais o tempo passa, mais difícil fica”. Eu rio. Foi o que fiz várias vezes durante a hora e meia que passamos juntos.
Nany também riu muito. E se emocionou. Grata às mulheres que passaram pela sua vida, tem os olhos cheios de lágrimas quando fala de sua mãe, de Nicionelly Carvalho e Hebe Camargo. Nany carrega em si um pouco de cada uma das grandes mulheres que conheceu. Assim, se torna grande como elas.
A atriz confirma o fim do programa Cante se Puder e diz que não quer se prender às emissoras de TV com contratos demorados. Enquanto se prepara para uma turnê no Japão, Nany People conversou com o Poços Já.
Poços Já – Você nasceu em Machado e viveu em Serrania e Poços.
Nany- Na verdade nasceram comigo em Machado, vou deixar bem claro. É que eu fico fazendo questão de falar o tempo todo que nasci em Machado, mas eu acho uma bobagem porque eu não tenho a menor lembrança. A lembrança que eu tenho de Machado é com quatro, cinco anos, indo na casa da minha avó, em uma festa de São Benedito. É que uma vez eu falei que sou de Poços de Caldas e criou-se um bairrismo bobo. Minha mãe ainda era viva e disse: “Ah, onde já se viu falar que é de Poços?” Minha mãe teve os filhos em Machado, porque em Serrania não tinha médico. Só por isso eu nasci em Machado. Eu fiquei em Serrania até os seis anos de idade e aí vim para cá.
Embora ainda tenha parentes em Serrania, tenho primo lá e passei boa parte das minhas férias de infância em Serrania, as minhas lembranças mais remotas, até de formação, são de Poços de Caldas. Até os meus amigos de infância, do primário até o colégio, são meus amigos até hoje.
Poços Já- Como é o contato com eles?
Nany- É uma coisa muito curiosa que acontece assim: independente de eu ter me tornado uma pessoa pública, faz 28 anos que fui para São Paulo, toda vez que eu venho pra Poços eu sempre revejo meus amigos. São pessoas que fizeram parte da minha história, da minha formatação e da minha fase adulta. Eu me considero poços-caldense. Eu sou, de coração, poços-caldense, além de ter me tornado depois cidadã poços-caldense. Eu faço peça em Ribeirão Preto e venho dormir em Poços de Caldas. Meu produtor Fábio Junio, que é daqui, fala: “A Nany acha Paris perto de Poços de Caldas”. Tudo é perto de Poços.
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“Lembro muito das minhas tias. Eram mulheres muito fortes, guerreiras, trabalhadoras, como toda mulher mineira é.”
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Poços Já – Qual a lembrança mais antiga que você tem de Serrania, da sua infância?
Nany- Os cirquinhos. Meu irmão tinha um cirquinho de tourada, uma bobagem, vaidade de menino. Eu estava sempre no cirquinho das meninas. A gente brincava todo dia, cantava. A minha geração não teve esse arsenal tecnológico que hoje tem. Então, fazer boizinho com batata era o máximo, o que a gente tinha.
Eu lembro que a primeira grande demonstração minha em público foi cantar em uma quermesse para ganhar um cartucho de doce, lá em Serrania. Lembro muito das minhas tias. Eram mulheres muito fortes, guerreiras, trabalhadoras, como toda mulher mineira é. Falo da mulher mineira por causa dessa coisa de machismo encubado que Minas tem, mas as mulheres sempre foram a grande locomotiva da família. Sempre foram as que balanceavam as situações, que faziam com que a verba desse para todo mundo. As dificuldades econômicas não eram poucas. Eu tinha uma tia-avó que não era formada, mas ela lecionou em escola particular, fazia tapete de retalhos e suspiro para vender. Essas mulheres batalhadoras do meu lado sempre falaram que não existe liberdade sem liberdade econômica.
Poços Já – E por que vocês vieram para Poços?
Nany- Meu pai morava aqui. Eu fui criada longe do meu pai até sete anos. Ele trabalhou em uma usina de açúcar perto de Areado, a Monte Alegre, e ia para casa de 15 em 15 dias. Viemos pra cá e foi a maior herança que papai pode ter nos dado. Foi um admirável mundo novo. Foi aqui que descobri o teatro aos nove, dez anos de idade. Eu cantei no Chacrinha, comecei a ganhar dinheiro com teatro aos dez anos. Eu não fazia só peças, animava aniversário com a Nicinha (Nicionelly Carvalho). Meu dinheiro já era guardado para o orçamento da casa. Todo sábado e domingo fazia aniversário, esquete, vestia de palhaço, chegada de Papai Noel, semana de prevenção de acidentes. Eu me virava nos 30. Cantei em casamento, com 10 anos já ganhava dinheiro.
Poços Já – A sua mestre no teatro foi a Nicionelly. O que você aprendeu com ela?
Nany- Ela me dizia sempre que o teatro só tem o poder de existir porque tem a condição de transformar as pessoas. A arte transforma o ser humano. Uma vez, a Fernanda Montenegro, fazendo uma palestra na Unicamp, quando eu fazia extensão universitária em interpretação, disse que qualquer civilização só é lembrada pelos tempos que destinou à sua cultura. Tanto que sobrevivem até hoje, às ruínas, como o Coliseu, o teatro de Atenas.
A Nicinha era uma mulher muito espiritualista, não era só uma mulher de teatro. Era um ser iluminado. Ela ficava na loja de bonecas dela sempre com um trabalho manual na mão. Ela aproveitava muito o tempo. Embora se dissesse teatro amador aqui, eu não aprendi fora, em nenhuma escola que eu passei, nada mais profundo, forte, transformador do que aprendi com a Nicinha. Por mais técnicas que eu possa ter aprendido, por mais professores que eu possa ter tido, sempre me remetiam a uma lembrança de “eu já vi isso antes”, no Benigno Gaiga. Ela abria curso sempre para crianças. Eu tenho até hoje meu primeiro caderno de teatro, contando a história do teatro grego. Os amigos que eu tenho até hoje eu conheci no teatro.
Poços Já – A sua imagem está muito ligada à comédia. Mas você chegou a fazer drama no teatro?
Nany- Eu fiz muito drama também. Tem uma companhia muito conhecida em São Paulo chamada Os Sátiros. Eu participei da primeira formação, no Teatro Ava Gardner, em 1987, com O Corpo Santo. Quando eu montei “Nany People salvou meu casamento”, que Bruno Motta escreveu pra mim, eram esquetes. Eu fazia desde quando um casal se conhece até quando tem 60 anos de casado. A última esquete era um drama. As pessoas se emocionavam muito.
Antes de eu ter me transformado em Nany People, eu me via como ator e como drag. Fui viajar muito fazendo show de noite. A TV me descobriu por causa do teatro. Eu fui para o Goulart de Andrade na Manchete, nos anos 90, por causa do teatro. Fui fazer um quadro no Comando da Madrugada chamado Abafando o Bafão. A Manchete fechou, mas eu não parei mais.
Poços Já- Mas você é conhecida pela comédia.
Nany- A comédia, talvez por ser mais comercial, lembra mais. Por incrível que pareça, as pessoas acham que eu sempre fiz stand up. Não. Eu faço stand up de quatro anos pra cá. Faço parte de um projeto em Curitiba chamado Risorama, que está dentro do Festival de Teatro de Curitiba. Há dez anos, Diogo Portugal e Marcelo Médice resolveram fazer esse projeto de humor e me convidaram. Lembro que foram Bruno Mazzeo, Gorete Milagres. Embora eu tenha dez anos de Risorama, fui a última a montar um espetáculo solo. As pessoas começaram a me cobrar muito.
Vou fazer uma turnê em 16 cidades do Japão. Baseado no fato de que o Japão é menor que o estado de São Paulo, eu vou viajar o Japão inteiro. Vou com o Léo Lins e o Luís França. A comunidade brasileira que mora lá é muito carente. Na volta a gente passa por Nova York e faz uma apresentação e uma casa chamada The Box, que aos domingos tem uma festa só para brasileiros, chamada Farofa.
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“Eu queria ser menina, era muito latente isso em mim”.
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Poços Já- Você veio de um família católica, religião muito conservadora. Como você lidou com a questão de ser transexual e católica?
Nany- Eu tenho uma coisa engraçada, um paradoxo. Em todas as festas, quando venho para Poços, da São Benedito à Uai, sempre vou na barraca da Nossa Senhora da Saúde e sou muito devota de Nossa Senhora de Fátima. Tem um oratório na minha casa com mais de 30 imagens, não falta vela para Nossa Senhora de Fátima. Fui criada numa casa com 16 cômodos em Serrania, tinha até sótão. Cada cômodo da casa tinha um santo. Quando eu fui para Portugal, pela Hebe, foi uma sessão de Déjà Vu muito grande. Eu percebi porque a gente é tão ligada na religiosidade, porque Portugal e Brasil tem essa fusão, porque Salvador tem 365 igrejas.
Nunca foi problema para mim, no sentido existencial, familiar. No primeiro momento foi, porque eu era uma criança que já deixava bem claro que não era só gay. Eu queria ser menina, era muito latente isso em mim. Quando mudei pra Poços, tive um choque social muito grande. Eu já era mocinha, era a Maysa de calças. Aí chego na (Escola Estadual) David Campista e no segundo dia não podia sair no recreio. Minha mãe foi chamada, teve reunião. Dona Elvira, que era a diretora, disse: “Você viu que o seu filho tem um problema?” Minha mãe disse: “Não é problema, é a condição dele. E cabe a mim, como mãe, fazer dele a pessoa mais feliz do mundo”. Eu tive uma mãe que amou as crias acima de tudo e comprou a briga comigo. Ela sabia que a minha função na vida era essa, ser artista, ser autista. Eu até brinco que sou autista, a gente faz um mundo só nosso. A gente nunca sabe se está maquiando pra ir ao banco ou para a rua. Eu vou viajar, pegar estrada e estou desse jeito. Para mim, é normal.
Nany- É o artismo. Eu faço um trocadilho. Uma vez um namorado me falou: “você se permite isso porque inventou um mundo que é assim. Existe um mundo aí fora que não pensa assim, do qual eu faço parte. Estou aprendendo a lidar com você e derrubar em mim muros, visitar porões que até então eu fui instruído a não entrar”. Olha que entrevista mais louca.
Poços Já – Então qual a sua relação com a religião?
Nany- Eu sou muito devota, eu rezo muito, tenho tatuado o Salmo 23, a palavra fé, mas eu não comungo desde os meus 13 anos de idade. Mamãe falava para eu não prometer para o padre o que eu não possa cumprir. Embora eu não ache que é pecado a minha natureza, a minha sexualidade, a minha transsexualidade.
Poços Já – Você quis mudar de sexo?
Nany- Quando foi marcada minha cirurgia, a mamãe pegou um ônibus para São Paulo e implorou pelo amor de Deus, achou que isso seria demais. Ela tinha medo de me perder, porque eu tinha duas amigas que fizeram. Uma delas se matou e a outra ficou muito deprimida, ficou pinel. Eu tinha 28, 29 anos. Isso ficou muito guardado entre nós duas.
Deus fecha uma porta e abre duas. Ao mesmo tempo que desisti da cirurgia e teria uma vida comum, porque estava apaixonada por um cara da Bolsa de Valores, o show business se abriu para mim de um jeito que até então não tinha se aberto. Entrei no show business night and gay, virei drag, apresentadora e fui fazer a Nany People acontecer com 37 anos de idade.
Poços Já- Como foi a criação da Nany People?
Nany- Me inspirei na Nani Venâncio. Mas com 18 anos já me montava de mulher aqui em Poços, no Sociedade Manicômica. Saí em tributo a Lucrécia Bórgia. Todo mundo saía de fiscal da Sunab, de ceguinho, tinha uma crítica social bem humorada. O pessoal saía caricato, eu saía de bonita. Aqui em Poços tinha a Festa da Rua Uberaba, eu ia vestida de mulher. Uma festa famosa, que durou dias e noites.
Poços Já- Como foi isso?
Nany- Nossa, eu estava lembrando ontem com o Kennedy Carvalho e a Kenia Carvalho. “Lembra da festa da Rua Uberaba? Uh, se eu lembro”. Começou no chique e acabou no plantão de polícia com o Eduardo Paes.
Poços Já- Quantos dias foram?
Nany- De sexta a domingo.
Poços Já- Por que a polícia baixou lá?
Nany- A gente bebeu muito , o povo não saída da festa, ficou lá direto na casa. Eu só posso falar isso, só lembro disso (risos). Entrei sexta, saí domingo, a louca. Minha mãe ficou louca, foi um escândalo na época. Eu nunca vou esquecer disso, o pessoal da minha idade, tá todo mundo lembrando, quando ler isso vai rir junto. Já era um hábito vestir de mulher, sempre foi uma terapia pra mim. Aí foi Nany porque a Nani Venâncio tinha saído na Playboy. E o People fui em mesma que me dei. Como eu falo demais, falo oi até para hidrante, falavam que eu dou atenção pra todo mundo, que sou do povo, Nany People. O bom de ter 48 anos é isso: você tem história pra contar. Você meio que viu as coisas nascerem.
Poços Já- Muitas mudanças.
Nany- Mudanças exatamente. E o bom de fazer 40 é pegar os de 20 também. Se Madonna pegou Jesus, eu vou nos querubins, tenho esse ponto fraco. Vejo um arcanjo e quero adotar.
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“Não fico servindo de pano de chão de emissora só porque não quero ficar sem contrato”.
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Poços Já- Já vi muito comediante reclamar de que as pessoas acham que eles sempre estão de bom humor, contando piada. Sempre que eu te vejo, você está pra cima, como na TV.
Nany- Porque eu sou muito honesta comigo mesma. Se não tô afim, não tô afim. Vou ao New York (Pub) sempre que eu posso. Eu tiro foto com um, dois três. Quando eu vou beijar na boca, digo “agora não!”. Eu também voto, faço o PIB girar. Aí as pessoas levam na boa.
Poços Já- Acham até graça.
Nany- Você encontra um médico na rua e fala “me opera aqui”? Ontem eu estava na festa Uai, chegou um grupo de senhoras do Paraná. Veio uma turma, depois outra: “Vamos tirar uma foto? Eu falei: de novo?”
Poços Já- Enche o saco às vezes?
Nany- Não, eu falei “vamos tirar todo mundo junto, não vai ser uma de cada vez não. Ninguém vai dirigir a foto, senão uma foto vira um filme”. E outra coisa: o pessoal não sabe mexer, falo disso no meu solo de stand up. Minha amiga fica no quarto, com a filha na sala, e as duas se falam por e-mail. Eu já tirei foto de celular que não tinha nem câmera. A gente vive num mundo que instiga você a ostentar o que você não tem. Por que todo mundo está com Rivotril na vida, na veia?
As pessoas se colocam metas que não podem cumprir. Eu vou ser feliz quando tiver casa na praia, e se não tiver você se mata? Tem que ser feliz agora. Tem que desapegar um pouco dessa cobrança. Eu moro em São Paulo há 18 anos e não fiz a louca de morar no Morumbi, eu tinha quatro sobrinhos para ajudar a estudar. A minha vida sobe e desce, eu não sou escrava da máquina da TV. Faço o que acredito, o que eu gosto. Não fico servindo de pano de chão de emissora só porque não quero ficar sem contrato. Meus contratos são por tempo indeterminado. Se eu estou num projeto como o Cante se Puder e querem que eu faça a linha de show, vão pagar quanto? Tem coisa que se faz por amor e por dinheiro. O mesmo cachê? Muito obrigada, tchau, tô indo.
Poços Já- Como foi trabalhar com a Hebe?
Nany- Foi um sonho. Eu fui parar no sofá da Hebe para dar uma entrevista sobre uma matéria que fiz com mais três drags para a Marie Claire. A Hebe me achou muito inteligente. Mal sabia que ela já me assistia no Goulart. Eu sempre pensei muito rápido, nunca tive um redator. A coisa vem na hora mesmo. No meu solo eu tenho tópicos, não tenho um texto. A Hebe falou “como você apresentaria? Apresenta pra mim”. Eu sentei no sofá plebeia e levantei princesa.
Poços Já- Nesse dia ela já te chamou?
Nany- Não. No dia seguinte Jô Soares me chamou, eu trabalhava na Jovem Pan. João Dória Junior me chamou. Mas aí depois que eu saí no Goulart, ela me chamou. Eu fiz desde lançamento de filme até bastidor de filme pornô. Só saí porque um diretor assumiu, descobriu que eu ganhava mais que ele e fez uma proposta canalha para mim. Disse para eu terminar o contrato e fazer cachê de gravação.
Poços Já- Frila?
Nany- Frila, mas não podia dar entrevista para ninguém. Só se eu fosse burra. Me chamaram para ser repórter do (Celso) Portioli, que estava numa briga danada com a Galisteu. O Silvio punha os dois para brigar. O Portioli entrava no estúdio, gravava um programa. A Galisteu gravava o mesmo programa e ia ao ar o do Portioli. Me chamaram e eu falei: agradeço muito, mas fui repórter da primeira dama da televisão brasileira. Dois dias depois o diretor foi mandado embora. Tem que seguir o coração.
O Carlos Alberto me chamou e eu fiquei quatro anos na praça, mas eu não quis contrato. Fiz de Jô a Olga Bongiovanni. Aí saí do Carlos Alberto para a Fazenda. Depois, o Tom Cavalcante me chamou para o programa dele. Eu agradeci, já tinha feito a Praça. Procuro coisas novas. Acabei de sair do Cante, aí o (Marcos) Mion me chamou, ia lá para uma entrevista, acabei fazendo um júri. Já fui jurada, quero outra coisa agora, tem que variar. Nunca fui conhecida como a Nany do Goulart, a Nany da Jovem Pan, sou a Nany People.
Poços Já- A sua carreira sempre muda.
Nany- Eu vou no que eu gosto de fazer. Essa viagem para o Japão é uma aventura maravilhosa, mas segura. Já sei o cachê que vou ganhar, tenho estabilidade. A única viagem que eu fiz sem saber o que ia dar foi para São Thomé das Letras, quando fazia Unicamp. E foi horrível, porque eu sou metida a confortável. Namoro gente jovem, mas quando vai fazer trilha, eu vou pro shopping. A gente se vê depois, de banho tomado. Trilha pra mim é escada rolante. Morei no mato até os dez anos, já ouvi muita cigarra cantando na minha vida.
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“Você para de ouvir seus pais falando que perderam os amigos e você começa a perder os amigos. Aí você leva um soco na boca do estômago”.
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Poços Já- Eu vi que você falou de algumas pessoas com muito carinho: a Nicionelly, a Hebe, sua mãe. Essas mulheres te inspiraram a ser Nany People, tem um pouco delas na Nany?
Nany- Tem. Nossa, que sensibilidade a tua. Nunca pensei nisso, é verdade. A Marília Pera fazia um espetáculo chamado “Elas por Elas”, que eu fui ver mais de 40 vezes. Ela falava um texto lindo, assim: “sempre pensei que o teatro fosse um grande e mágico parque de diversões. Cheio de truques, magias, sensações novas e surpreendentes. Pode ser uma definição ingênua, pouco profunda, mas é a partir daí que acontece o meu trabalho. A criança que eu fui ouvindo, assistindo essas grandes artistas e cantoras, mulheres apaixonadas e apaixonantes. Essa criança permanece viva dentro de mim. Imutável, encantada. Eu gostaria que ela continuasse comigo, para que juntas pudéssemos cantar, dançar, representar e viver todas as nossas possibilidades de mulheres, de atriz”. Eu me emociono quando falo isso. Cada vez que sinto uma coisa que aprendi com elas é como se eu abrisse uma janela e as visse de novo. As palavras da minha mãe eram: “quem não vive para servir, não serve para viver”, “o que é de gosto, regalo da vida”. Provérbios, mas coisas que as mulheres colocavam em prática com sabedoria. De certa forma, isso me inspirou, me encorajou e me possibilitou fazer o que eu faço, encarar o mundo. Sempre tem algo que me remete a elas. Um doce, uma cor, um vestido.
Com a juventude, você quer protestar. Depois, você aprende a degustar melhor a vida. Você para de ouvir seus pais falando que perderam os amigos e você começa a perder os amigos. Aí você leva um soco na boca do estômago. Parece que o galo canta no teu quintal, no teu colo. Te dá outra visão da vida.
Poços Já- Qual visão?
Nany- A gente tem que fazer o que gosta, porque fica o que você passou aqui. Tem que ser bom pra ambas as partes, gostoso pra todo mundo, mas às vezes não dá. Eu levo minha vida assim, sendo honesta comigo.