O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) enviou ao Poços Já uma nota oficial se pronunciando sobre a decisão judicial que permitiu a atuação autônoma de optometristas em Poços de Caldas.
Leia abaixo a nota na íntegra:
“NOTA PÚBLICA DO CONSELHO BRASILEIRO DE OFTALMOLOGIA
Esclarecimentos sobre a decisão judicial relativa à atuação de optometristas
em Poços de Caldas/MG
O Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO), entidade médica nacional de caráter científico, sem fins lucrativos, vem a público prestar esclarecimentos técnicos e jurídicos à população, às autoridades locais e aos veículos de imprensa, diante da notícia publicada em 16 de abril de 2025 pelo Portal Poços Já, que trata de decisão liminar autorizando a atuação autônoma de optometristas em Poços de Caldas/MG.
Inicialmente, é importante destacar que a atuação de optometristas na realização de exames oftalmológicos, prescrição de lentes corretivas e instalação de consultórios clínicos é tema debatido no poder judiciário brasileiro, sendo tais atividades restritas aos profissionais médicos, conforme determina a Lei nº 12.842/2013 (Lei do Ato Médico). Essa legislação estabelece, de forma clara, que o diagnóstico de doenças, a prescrição de tratamentos e a interpretação de exames são atos privativos do médico.
A chamada “optometria” é uma ocupação sem regulamentação legal no Brasil, não reconhecida como profissão por lei federal. Em razão disso, não existem conselhos profissionais ou órgãos de classe que possam fiscalizar, aplicar sanções ou responsabilizar eticamente aqueles que atuam como optometristas, mesmo quando realizam atividades que são privativas da medicina.
Essa lacuna institucional cria um cenário de insegurança para a população, que muitas
vezes se submete a atendimentos clínicos sem qualquer garantia técnica, legal ou de
responsabilização em caso de erro.
Os exames de vista, muitas vezes divulgados como algo simples, a exemplo da refração, oftalmoscopia, tonometria ou o exame de acuidade visual, envolvem riscos concretos quando realizados sem avaliação médica.
Diversas patologias graves como glaucoma, ceratocone, degenerações retinianas e catarata precoce podem passar despercebidas se o atendimento for feito por profissional não habilitado, atrasando o tratamento adequado e comprometendo a visão de forma irreversível.
O próprio Conselho Federal de Medicina, por meio do Parecer Técnico nº 14/2024, já confirmou que a refração e a acuidade visual são partes indissociáveis da consulta médica oftalmológica. A realização desses exames por optometristas, portanto, representa não apenas uma infração legal, mas também um risco à saúde pública e à segurança do paciente.
No mesmo sentido, o Poder Judiciário tem reafirmado, em decisões recentes, que a atuação clínica dos optometristas é ilegal. A exemplo disso, destacam-se:
• Processo nº 5022368-86.2024.4.03.6100, da Justiça Federal de São Paulo, que confirmou que optometristas, ainda que graduados, não podem realizar exames, diagnósticos ou prescrever lentes;
• Mandado de Segurança nº 8003202-54.2022.8.05.0229, que proibiu a instalação de consultórios optométricos para atendimento clínico;
• REsp 1.169.991/RO, de relatoria da Ministra Eliana Calmon, no qual o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a plena vigência dos Decretos 20.931/32 e 24.492/34, afirmando que a Portaria 397/2002 do Ministério do Trabalho é inconstitucional na parte em que confere aos optometristas atribuições clínicas;
• REsp 2.007.814/SC, relativo ao município de Seara/SC, de relatoria da Ministra Assusete Magalhães, em que o STJ reafirmou que optometristas não possuem habilitação legal para realizar exames, diagnósticos ou prescrição de lentes, sendo tais práticas privativas dos
médicos oftalmologistas.
É fundamental esclarecer que a ADPF 131, frequentemente invocada para justificar tais práticas, não autorizou optometristas a realizarem diagnósticos ou prescrições, tampouco lhes conferiu natureza profissional regulada. O Supremo Tribunal Federal apenas afastou a vedação genérica à abertura de consultórios para fins comerciais por parte de optometristas diplomados, sem, contudo, lhes conceder competência clínica ou médica.
Portanto, a prática de atos clínicos por optometristas – mesmo diante de decisões liminares isoladas – permanece vedada pelo ordenamento jurídico nacional.
Nesse contexto, o Conselho Brasileiro de Oftalmologia reconhece como legítima e correta a atuação de membros do Ministério Público, como o Promotor de Justiça Glaucir Antunes, que tem adotado medidas com o objetivo de impedir que optometristas – mesmo aqueles com graduação superior em optometria – mantenham consultórios para a realização de diagnósticos de doenças oculares e prescrição de tratamentos, como lentes de grau ou lentes de contato. Tal atuação está em perfeita consonância com a legislação vigente, com os precedentes judiciais firmados sobre o tema e com o dever de proteção à saúde pública.
O CBO alerta que permitir o atendimento clínico por optometristas, sob qualquer justificativa, coloca a população em risco real e imediato, contribuindo para o agravamento silencioso de doenças oculares e retardando o acesso a diagnósticos precoces e tratamentos eficazes.
Reiteramos que o Conselho Brasileiro de Oftalmologia permanece à disposição das autoridades de Poços de Caldas, dos órgãos de saúde pública e da sociedade em geral para o esclarecimento técnico, capacitação de agentes públicos, e para colaborar com ações educativas e preventivas voltadas à proteção da saúde visual dos brasileiros.
Defender o ato médico é proteger a visão da população.
Atenciosamente,
Conselho Brasileiro de Oftalmologia – CBO
Brasília, 16 de maio de 2025″