Poços de Caldas tem atualmente 50 espécies da flora ameaçadas com algum risco de extinção. Esses são os números da Fundação Jardim Botânico, que realiza pesquisa e conservação da flora no Planalto de Poços, além de atividades de educação ambiental. A reportagem do Poços Já procurou pela diretora técnica-científica da Fundação Ângela Liberali Pinheiro, que esclarece sobre o assunto.
Poços Já – Quantas e quais espécies da flora estão em algum risco de extinção em Poços de Caldas?
Ângela – No Planalto de Poços de Caldas temos espécies da flora ameaçada de extinção das formações de floresta e dos campos de altitude nativos, ambos pertencem ao bioma da Mata Atlântica. Na última atualização realizada pela Fundação Jardim Botânico de Poços de Caldas, neste ano de 2023, o número total de espécies ameaçadas é de 50, de acordo com a nova atualização do IBGE e portarias do Ministério do Meio Ambiente n° 354/2023 e 148/2022. Dentre as espécies mais conhecidas pela população nas formações florestais temos, na categoria Criticamente em Perigo (CR): Araucária angustifolia (Bertol.) Kuntze (araucária); na categoria Em Perigo (EM): Dicksonia sellowiana Hook. (xaxim); Ocotea odorifera (Vell.) Rohwer (canela sassafrás); e na categoria Vulnerável (VU): Cedrela fissilis Vell. (cedro rosa), Cedrela odorata L. (cedro do brejo), Euterpe edulis Mart. (palmito juçara), as orquídeas Cattleya walkeriana Gardner e Isabelia virginalis Barb.Rodr.. Já as espécies dos Campos de Altitude não são muito conhecidas pela população, porém, apresentam grande beleza e importância ecológica, como na categoria Criticamente em Perigo (CR): a orquídea Cyrtopodium lamellaticallosum J.A.N.Bat. & Bianch., e o capim Anthaenantiopsis fiebrigii Parodi; na categoria Em Perigo (EM): Anemopaegma arvense (Vell.) Stellfeld ex de Souza (catuabinha do campo), e na categoria Vulnerável (VU): Hippeastrum morelianum Lem. e Sinningia striata (Fritsch) Chautems.
Poços Já – Na região tem alguma com risco mais relevante?
Ângela – As espécies com risco mais relevante são aquelas que apresentam a maior classificação de grau de ameaça de acordo com o padrão internacional da União Internacional para Conservação da Natureza [IUCN]. As classificações de ameaça são respectivamente: VU- vulnerável à extinção; EN- em perigo de extinção; CR- criticamente em perigo de extinção. E para serem classificadas, cada espécie passa por diversos estudos, dentre eles é avaliado o grau de fragmentação do seu habitat, o número de indivíduos da população daquela espécie, a sua capacidade de reprodução no ambiente nativo, dentre outros fatores. Dentre as espécies podemos citar o capim Anthaenantiopsis fiebrigii Parodi CR- Criticamente em Perigo, que em Poços de Caldas teve uma redução da sua vegetação nativa maior que 80%, segundo CNCFlora, devido à perda de habitat para o plantio do capim exótico – o capim-gordura (Melinis minutiflora P.Beauv.), usado para pastagem de gado.
Poços Já – Quais os problemas ambientais que uma possível extinção dessas espécies poderia trazer para o meio ambiente de Poços?
Ângela – A extinção de uma espécie de planta pode levar a um evento de extinção em cascata, ou seja, o meio ambiente possui seu próprio equilíbrio ecológico, em que a existência de cada espécie compõe uma cadeia de relações que permite a existência de todos os seres vivos. Sendo assim, todo ser vivo tem a mesma importância, e a extinção de uma única planta pode levar outras plantas e animais a desequilíbrios. Plantas e animais têm uma relação de dependência, e os seres humanos se incluem nessa relação. A perda de uma dessas espécies para o meio ambiente, não só para Poços de Caldas, implica em incontáveis perdas – pois as plantas fazem parte dos processos de regulação do clima, sequestro de carbono, cadeia alimentar, além dos usos na nossa cultura e medicina.
Poços Já – O que faz com que as espécies da flora estejam em condição de perigo em Poços? O que provocou isso? É possível reverter?
Ângela – As espécies da flora do Planalto de Poços de Caldas sofrem com diversas ações antrópicas que afetam sua existência, dentre elas podemos citar a expansão da urbanização, a mineração e as monoculturas, que causam o fragmento dos habitats dessas espécies, tanto nas áreas de floresta e quanto nos campos de altitude. Além disso, temos outras ações, como a retirada de espécies da flora para comercialização ilegal e a prática do esporte motocross, realizada sem regularização, causando compactação do solo, dispersão de sementes de plantas exóticas em áreas nativas, fragmentando populações de espécies e colocando em maior exposição aquelas que estão com algum risco de extinção. Para que as condições de existência dessas espécies melhorem é preciso incentivos da legislação para proteção e fiscalização das florestas e campos de altitude do município; fomento de pesquisa científica de universidades e institutos para conservação dessas espécies e, por fim, a criação de Unidades de Conservação (UC) de Proteção Integral, em uma área de floresta e principalmente em áreas de campo de altitude, permitindo a conservação in situ das espécies e de seus habitats.
Poços Já – O Jardim Botânico tem ações a favor da não extinção dessas espécies?
Ângela – A Fundação Jardim Botânico de Poços Caldas completa 20 anos em 2023, e desde seus primeiros anos de atuação contempla ações de conservação com foco nas espécies ameaçadas de extinção. Essas atividades se dividem em dois tipos, as ações de conservação in situ, ou seja, aquelas que são realizadas nos ambientes nativos de ocorrência das espécies, e as ações de conservação ex situ, realizadas dentro da Fundação. A área de monitoramento da Fundação é o Planalto de Poços de Caldas e serras adjacentes, como no município de Caldas, no Parque Municipal André Regnell. Dentre as ações de conservação in situ podemos citar monitoramento periódico das populações de espécies ameaçadas, bem como das ações antrópicas em seu habitat, coleta de frutos e sementes. Como atividades de conservação ex situ, a Fundação tem em sua coleção viva exemplares das espécies ameaçadas de extinção, funcionando como um banco genético; desenvolvimento de protocolos de germinação no laboratório com as espécies; produção de mudas nativas; pesquisa científica para a divulgação de informação sobre a flora do Planalto de Poços de Caldas e educação ambiental, com o intuito da aprendizagem transformacional para uma sociedade sustentável e atitude reflexiva para a problemática das espécies nativas e ameaçadas de extinção.