Duas fileiras de vasos, com flores e plantas medicinais, fechadas em um corredor apertado e rodeado de grades. Isso é o que restou do contato com a natureza que a família da Maria Luísa de Souza Reis, 66, tinha em Bento Rodrigues, subdistrito de Mariana, destruído pela lama da Samarco no dia cinco de novembro de 2015.
A vida que a família levava era bem diferente. Tinha criações, uma extensa plantação para subsistência, a vida em comunidade e o mais importante: o Totó. Assim era conhecido o irmão de Maria Luísa, que teve a vida interrompida debaixo da lama, naquele mesmo dia.
Mais de três anos depois, o rompimento da barragem do Fundão ainda deixa grandes sequelas. Além dos 19 mortos, as famílias desabrigadas continuam morando em casas com aluguel pago pela empresa. Do Totó sobraram as lembranças e uma só foto, que estava salva em celular.
Viver na cidade é uma rotina que nenhuma dessas pessoas desejava. Enquanto sobrevivem à agonia, a reconstrução dos subdistritos de Paracatu de Baixo e Bento Rodrigues caminha a passos lentos. A previsão de entrega das casas, em novas áreas, era de fevereiro a março deste ano. Porém, Bento Rodrigues ainda está na terraplanagem e os obras em Paracatu estão mais atrasadas, já que a licença ambiental foi concedida recentemente.
Apesar disso tudo, reencontrar a família da Maria Luísa foi um alívio. Nós a conhecemos um mês após o rompimento da barragem em Mariana, quando ela, o marido José Eduardo dos Reis, 64, e uma das duas filhas, Ludmila Luísa de Souza Reis, 24, moravam no quarto de hotel. O tamanho da dúvida sobre o futuro e a inexistente esperança, sem contar a vida monótona que estavam levando, foram o que mais nos deixou preocupados. Agora, quando revemos todos eles, encontramos uma família tímida, mas que já consegue sorrir.
Foram dois meses no hotel, antes da Fundação Renova, que representa a Samarco, encaminhá-los para o imóvel provisório. A família também recebe os valores do cartão emergencial e agora aguarda, com ansiedade, um lugar definitivo para morar.
O novo lar vai ser construído de acordo com as especificações que a própria família determina, em um terreno do mesmo tamanho do original. Pomar, horta, galinheiro, canil, fogão a lenha; três quartos, cozinha, sala, banheiro. A casa nova vai ter tudo isso, como era antes. A ideia (e obrigação) da Renova é reconstituir toda a área ocupada pela comunidade, com os mesmos nomes de ruas e a mesma disposição das casas.
Ainda não se sabe quando, mas a Maria Luísa e o marido José Eduardo dos Reis, 64, receberão de volta as próprias vidas. Ao menos, essa é a promessa. Eles não gostam de comprar as hortaliças cheias de agrotóxicos nos supermercados, pois antes plantavam todos os legumes e verduras que consumiam.
Para Maria Luísa, o que come hoje não tem gosto, “é a mesma coisa que pegar capim e picar”. Ela também reclama da falta de liberdade em uma casa que não é própria. “Você fica sem liberdade, não pode furar uma parede, que é dos outros. A gente entrou e achou perfeito, quando sair quer deixar perfeito também. Não quero atrapalhar nada de ninguém”.
Agora, ela cuida dos dois netos. É brincando com eles que Maria Luísa sorri, tenta superar o passado e projeta seu futuro. Não só o dela, mas o da família toda. Eu, você, Maria Luísa e todos prejudicados pela lama infelizmente, em algum momento, chegamos à impiedosa constatação de que jamais todo esse prejuízo será reparado. Apesar disso, os motivos para sorrir estão a cada dia mais fortes.
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