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Poços de Caldas

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O grande cemitério

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Pouco mais de uma semana após o estouro da barragem, o transporte dos restos dos mortos chama a atenção. O que antes eram silhuetas de corpos ensacados e envolvidos por redes nos helicópteros, agora são pequenos pacotes. Resultado do estado em que as vítimas estão sendo encontradas.

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O movimento das equipes de resgate é intenso. Borbulhas em meio à lama produzidas pelos gases dos corpos em decomposição podem indicar mais uma vítima soterrada.

Encontramos nos três pontos que visitamos vários grupos de voluntários que fazem varreduras em busca dos corpos. Quando há sinal de vítima, bombeiros e helicópteros são imediatamente acionados.

O fedor é insuportável em alguns trechos. Percebemos que quanto mais perto da barragem, pior. É um misto de carniça com lama podre e chorume. Chega a embrulhar o estômago. Difícil de descrever.

No ponto mais alto onde fomos, é possível avistar a barragem rompida e todo o estrago que ela provocou no vale ao lado do Córrego do Feijão. O movimento de helicópteros focados nas buscas é intenso. É comum avistar alguns deles transportando corpos das vítimas.

Por estradas de terra estreitas fomos mais além do vilarejo. Chegamos na continuação da rodovia que ficou soterrada em vários trechos e deixou propriedades ilhadas. A imagem impressiona. A lama derrubou um dos pilares de sustentação da ferrovia da Vale. Quando reparo no tamanho e estrutura dos outros pilares, imagino a força do barro. Inacreditável.

Subo no que sobrou da estrutura para registrar outros pontos atingidos. A altura e a insegurança dão medo. A viga que sustenta os trilhos não passa de 20 metros de distância.

Na ponta, era possível avistar o outro lado do viaduto que segurava os trilhos ainda presos, mas caídos e retorcidos. Para baixo e para os lados, um mar de lama.

Desci para explorar mais o espaço. Eu e o João Araújo nos deparamos com um grupo de voluntários de Manaus que encerrava o dia de trabalho. Comemoravam. As buscas tinham sido duras e cansativas, mas todos estavam bem. Uma cadela chamava atenção na equipe. O adestrador joga uma bolinha de tênis e ela pega com apenas um pingo. Ficamos impressionados com a precisão e a rapidez. Numa conversa informal, ele nos diz que a cadela encontrou um pedaço de carne podre. Só não sabia se era humana.

Impressionado, segui para a continuação da estrada, soterrada. No meio dela, o terreno era muito instável. Havia galhos fincados no chão, certamente por quem atestou a segurança do caminho. Pelo lado, em meio à mata, parecia mais seguro. Passados 100 metros, era possível ver os destroços da Pousada Nova Estância. Um grupo de Bombeiros procurava corpos.

Quando eu estava voltando, um helicóptero se aproxima, voa bem baixo e deixa mais uma equipe de busca com um cachorro. A varredura fica mais intensa. Curiosos se aproximam por onde era possível caminhar. Se arriscaram.

Uma repórter fica presa na lama até o joelho. Ajudamos a resgatá-la. Em seguida, encontramos um papel jogado no barro meio seco. Era uma redação, de criança. João lê os trechos que não estavam sujos de lama. Segue a transcrição: “Eu tenho fé em Deus… Tudo o que eu peço ele me ouve… Deus me ajude porque eu estou… Eu desejo ir embora. Não vou porque tenho medo de terrorista… Tenho medo… Vai dar certo, se Deus quiser”.

Já era tarde e precisávamos retornar ao Córrego do Feijão, mas observamos um grupo formado por curiosos. O motivo era a lama seca naquele pequeno trecho, que se comportava de maneira estranha. Estava fofa e quente. Parecia que uma bolha de gás estava enterrada sob ela. Todos ficam apreensivos. Pode ser um corpo de animal ou até mesmo de uma pessoa. Não havia nenhuma equipe de resgate por perto.

Observamos atentamente uma mulher que remexia o barro com um galho. Não era nada. Apenas a lama se acomodando e se comportando de forma imprevista, como em vários outros pontos. A comoção gerada em torno de um barro fofo nos leva a pensar: como viverão os moradores dessas comunidades? O fato é que a terra tomada pela lama agora tem novos donos. Resta apenas saber quem e quantos. Talvez nem o tempo consiga nos dar essa resposta.



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