“É um peixinho que estão tirando da lagoa, pra levar pra Belo Horizonte e colocar num aquário”. Essa é a explicação que a mãe, Ana Lúcia Gonçalves Reis Souza, 37, dá para a filha Maria Cecília, 3. A menina insiste em perguntar o que são os sacos pendurados nos helicópteros que passam a todo momento pelo Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG).
São corpos, ou o que restou deles. A mãe tenta, com fantasia, diminuir o trauma causado pelo rompimento da barragem da Vale. “Ela falava ‘mamãe, vamo embora daqui. Olha lá, mãe, a onda vem, a onda vem'”, lembra Ana.
A criança e a mãe viram juntas a lama carregar as casas e seus moradores, muitos deles amigos próximos, de dentro de casa. A tia do marido e o filho da vizinha, que trabalhavam na Pousada Nova Estância, a comadre e a esposa do primo do marido. O corpo da comadre foi encontrado, mas os outros continuam mergulhados no mar de lama.
Ana Lúcia lembra que a visão do desastre foi apocalíptica. “Tava parecendo que era o fim do mundo, a lama subiu quase dez metros de altura. Depois de meia hora, falaram que a outra barragem estava arrebentando. É muito desesperador”. Assim que percebeu o rompimento da barragem, Ana pegou a filha e foi para casa da vizinha, cujo filho está desaparecido. “As vasilhas da casa dela balançavam”, descreve.
A rua Dois, onde a família mora, fica em uma parte mais alta do que a atingida pelos rejeitos, mas ainda sim é uma das áreas mais próximas. As casas estão vazias, com moradores levados para hotéis e pousadas em Casa Branca, bairro próximo ao Córrego do Feijão, além das casas de parentes. A Vale fez a proposta para Ana Lúcia, mas ela ficou.
“Não precisa sair daqui todo mundo, sempre tem que ter um pouco, para conversar, amenizar as coisas. O que tinha de acontecer já aconteceu. Tinha que ter tirado todo mundo daqui antes do acontecido”, argumenta a camareira.
Porém, a família considera a hipótese de sair dali. O marido, Roberto Pinto, 31, é mecânico em Itabirito (MG) e quer que a área atingida seja revitalizada, além de que sejam feitas melhorias no Córrego, como o asfaltamento das estradas que dão acesso ao local. Caso contrário, ele pretende se mudar.
Ana Lúcia também não quer mais morar na Rua Dois. “No meu modo de pensar, a Vale deveria indenizar todo mundo que vive na comunidade Córrego do Feijão e acabar com isso aqui tudo”.
O problema é que ninguém sabe ainda para onde ir. Se as famílias dedicaram suas vidas e trabalharam arduamente no Feijão, mudar repentinamente é impossível. A sensação geral é de dúvida.
O barulho dos helicópteros começa de manhãzinha. A movimentação segue até o fim da tarde. Antes pacato, agora o Feijão é movimentado. Enquanto a família insiste em ficar, também se mantém o trauma, a visão teimosa de fim do mundo que Ana Lúcia revê toda vez que olha para a rua. “Dá pra dormir com medo”, resume.
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