Apesar de ter entrado na política de repente, Sebastião Navarro construiu, durante décadas, um dos mais fortes e tradicionais nomes do sul de Minas. Foi três vezes deputado estadual, duas vezes federal e prefeito de Poços de Caldas por dois mandatos (1989-1992; 2005-2008), além de ter ocupado cargos no governo estadual.
Na penúltima entrevista da série com ex-prefeitos de Poços de Caldas, Navarro conta sua história e nega qualquer vontade de voltar à prefeitura. Mais uma vez, deixa claro que a ruptura com Paulinho Courominas deixou marcas profundas na política poços-caldense.
Poços Já: O seu início na política foi natural, devido ao seu pai?
Sebastião: Não foi natural. Eu tinha voltado as minhas atividades para o ramo empresarial, embora seja dentista. Meu pai, que era deputado federal, começou com um processo de Alzheimer e nós sempre achamos que o sucessor natural era o Paulo, meu irmão, que trabalhava para o meu pai. Mas o Paulo tinha conquistado uma bolsa de estudos para a França e fazia três anos que estava fora. Chegou ao Brasil e estava totalmente por fora. Papai ficou muito derrubado do Paulo não aceitar. Eu, que coordenava a campanha do meu pai no sul de Minas, enxerguei politicamente que era um desastre não ter um candidato. Saí candidato para segurar a vaga, não deixar outro entrar, sem uma pretensão maior de ser eleito. E fui eleito deputado federal pensando em ficar um mandato, ficar quatro anos e voltar para as minhas atividades. Eu fiquei trinta. A vida é assim, cheia de circunstâncias. Você planeja uma coisa e acaba fazendo outra às vezes.
Poços Já: Quais os destaques da sua primeira administração como prefeito?
Sebastião: É difícil puxar pela memória, mas eu me lembro bem que fiz muitas obras. Fui muito enaltecido pelas obras que eu fiz. Na despedida do governo eu falei que o que me dava orgulho, ao final do mandato, não eram as obras que eu estava deixando, mas as ações políticas que eu tinha desenvolvido e que mudaram a vida de muitas pessoas. Quando eu fui prefeito pela segunda vez um senhora pediu audiência e eu a recebi lá no gabinete. Ela disse que queria que eu fosse cortar cabelo com ela. Ela estava sem ter o que fazer, sem rumo, moça, e eu criei uns cursos profissionalizantes. Ela fez curso de manicure e já arrumou serviço, fez curso de cabeleireira, arrumou emprego em um instituto. Lancei um programa habitacional e ela foi premiada com terre no e material para começar a fazer a casa dela e hoje comprou o instituto onde era empregada. Essas coisas que dão satisfação para a gente.
Poços Já: E as obras?
Sebastião: De obras, ficaram marcadas a rodoviária, a central de linhas urbanas, duas obras importantes para a cidade que precisavam ser feitas, a remodelação da rua Assis. Nós tivemos que desmanchar a rua Assis inteira para fazer galeria pluvial. As galerias eram do início de Poços, de Poços pequena, sem prédio, quando dava chuva ali inundava, entrava nas lojas e nas casas. Foi uma obra ousada, porque afetou muito o comércio. Eu recebi muita predada.
Poços Já: E quanto à segunda administração?
Sebastião: De obra marcante foi a avenida Alcoa, um desafio grande. Enquanto nós estávamos construindo, cheio de máquinas ali, o governador Aécio Neves veio a Poços. Quando ele desceu no aeroporto e veio para a cidade ele falou: “Navarro, que que é isso? Isso é obra para governo do estado, federal, não é obra para prefeitura. Você é muito ousado, eu vou te ajudar”. Ele arrumou cinco milhões, ele viu o esforço e a obra. Uma obra ousada mesmo. No governo anterior, do Paulo Tadeu, ele tinha feito um convênio com o Ministério dos Transportes, com o DNIT. Deu início, pôs umas máquinas em véspera de eleição, acabou passando a eleição e recolheram as máquinas. Para mim foi um desafio grande fazer, porque o DNIT se recusou a honrar o contrato que tinha feito com a prefeitura. Eu consegui, através do Geraldo e da Ana Guerra, que era deputada também na época, audiência com o ministro. Fui lá cobrar. Ele falou que tinha cem mil reais, mas não dava nem para fazer o canteiro de obras.
Poços Já: Como conseguiu o dinheiro?
Sebastião: Eu criei uma lei que cobrava do DME e do DMAE um tributo sobre a interferência na paisagem turística de Poços de Caldas. Essa taxa que nós estabelecemos na época, e que era transitória, representava coisa de 1,2 milhão por mês. Com isso eu fiz a obra. Quando saíram os cinco milhões do Aécio a obra já estava pronta. Nós usamos esse dinheiro no asfalto de outras regiões da cidade.
Poços Já: E a trincheira foi na segunda administração.
Sebastião: Foi dessa administração também, com a ajuda do Aécio, com a ajuda do governo do estado. Eu briguei por duas obras e o Aécio aprovou as duas, mas a trincheira deu problema geológico. A gente não sabia o que ia encontrar por baixo, mudou muito o projeto, encareceu muito a obra. Nós íamos fazer a trincheira e a avenida Estrutural, ligando a rodoviária à rodovia do Contorno, passando pela Monsenhor Alderige. Com o aumento de custos da trincheira nós tivemos que abandonar a outra obra. É uma obra que Poços precisa, algum dia vai ter que ser feita. Desde a localização da rodoviária já era prevista essa obra, para tirar o trânsito de ônibus também do Centro da cidade. No primeiro governo meu eu também consegui a rodovia do Contorno. Eu negociei o apoio político, o candidato do meu partido a governador era o Oscar Correa. O concorrente dele era o Hélio Garcia. Eu negociei o apoio em troca da rodovia do Contorno.
Poços Já: O primeiro Plano Diretor foi elaborado na sua administração, assim como a revisão dele.
Sebastião: Poços foi pioneira, uma das primeiras cidades do Brasil a ter um Plano Diretor e foi o Haroldo Genofre Junqueira que contratou a empresa que elaborou o Plano Diretor de Poços. No meu governo, discutindo com Gustavo Frayha, que é uma grande cabeça, um sujeito muito inteligente, nós criamos praticamente duas secretarias de Planejamento. Uma para a gestão do dia a dia, de aprovação de projetos, de sinalização, que é a secretaria de Planejamento usual, e um grupo de inteligência para pensar o futuro de Poços. Isso funcionou muito bem, só pensando no amanhã.
Poços Já: Hoje em dia o planejamento é bem diferente.
Sebastião: Eu acho que planejamento é fundamental, infelizmente acabou esse grupo pensando no futuro. Foi só no meu governo que existiu. Eu acho que isso tinha que fazer parte da estrutura de Poços. Planejar é importante.
Poços Já: O senhor utilizou dinheiro do DME para pagar a dívida da Santa Casa. Como foi esse processo?
Sebastião: Isso é emergencial, circunstancial. Quando eu assumi a prefeitura a Santa Casa estava falida, fechando. Não fazia mais cirurgia programada, só emergência. Não tinha dinheiro para comprar esparadrapo, não tinha crédito para comprar. A Santa Casa veio pedir socorro, eu tentei interferir com uma empresa que era grande fornecedora da Santa Casa, de Ribeirão Preto, e garanti que se a Santa Casa não pagasse a prefeitura honrava o pagamento. Eles não quiseram vender nem assim, falaram para pagar os atrasados primeiro. Foi o Paulinho Molinari que teve essa ideia. A prefeitura sem dinheiro, a Santa Casa quebrada desse jeito e o DME com um mundo de dinheiro aplicado. Com poucos meses de juros aplicados pelo DME acertamos a vida da Santa Casa. Eu mandei um projeto para a Câmara, foi aprovado direitinho, da prefeitura assumir as dívidas da Santa Casa. Eu não dei dinheiro, assumi as dívidas. Teve dívida que estava na escrita da Santa Casa que não apareceu credor, por desorganização de contabilidade talvez. Aí os que comprovaram efetivamente a dívida o DME saldou. Foi coisa de 14 milhões. Impressionante que dois anos antes, quando a prefeitura teve uma intervenção na Santa Casa, no governo anterior ao meu, a prefeitura nomeou gestores na Santa Casa. A Santa Casa devia dois milhões. Em dois anos e meio subiu para 14 milhões a dívida com a intervenção da prefeitura.
Poços Já: Atualmente, a verba do DME paga contas da prefeitura. O que o senhor acha disso?
Sebastião: No meu governo nunca saiu um centavo do DME para entrar nos cofres da prefeitura. Saiu para acudir a Santa Casa, que é uma ação social que o DME tem que fazer mesmo. Todas as empresas grandes têm uma ação social. E depois a avenida Alcoa. Nunca se gastou um centavo do DME em custeio da prefeitura, no meu governo não. Hoje estou vendo que estão pedindo para ir para 85% e já estão pegando 50% do lucro. O DME é da prefeitura, é certo isso, mas o problema é que o DME são os ovos de ouro da prefeitura de Poços. E não é um processo acabado, precisa de investimento. Nós temos concessão para fazer usina aqui no Rio Pardo, precisa de dinheiro para fazer. Tínhamos concessão para fazer também, não sei se perdemos, usina em Cabo Verde. Precisa de recursos para fazer investimento, se a empresa ficar estagnada ela pode morrer. Ela tem que crescer.
Poços Já: Um dos argumentos é que há uma crise financeira.
Sebastião: Existe essa crise, é uma choradeira geral. Caiu de fato a receita. Mas é questão de gestão. Se você gasta mal, se gasta mais do que arrecada, entre no buraco. Diz que é geral, em toda prefeitura, mas não. Faz uma entrevista em Bandeira do Sul. Lá tem muitas obras sendo realizadas e com dinheiro em caixa. Eu conversei com o prefeito e ele está com dois milhões em caixa e as contas todas em dia. É questão de gestão. Não é fácil controlar dinheiro, nem o da gente é. Sobre o dinheiro público tem que ter um controle redobrado. Eu sempre falei que com bastante honestidade e um pouco de imaginação o dinheiro aparece, dá para fazer muita coisa.
Poços Já: Qual a sua análise da administração atual?
Sebastião: Eu acho muito deselegante fazer uma análise desse tipo. A cidade sabe o que está acontecendo, eu não preciso fazer análise disso não. Eu acho que, sem fazer uma análise mais profunda, sem entrar em detalhes, eu acho que quem é da cidade, quem mora na cidade, quem tem os filhos na cidade, quem tem um nome a zelar na cidade, que mora e que tem que deixar esse nome para os seus filhos, tem muito cuidado para fazer as coisas. Quem vem de fora para passar uma temporada para ocupar um cargo público, por conta de partido político, não tem compromisso nenhum com a cidade. Isso às vezes atrapalha bem, porque a honra da pessoa faz com que ela se desdobre para ser eficiente e principalmente inibe em questões de tentações de desonestidade.
Poços Já: O senhor pretende voltar à prefeitura?
Sebastião: Eu não, acho que tudo tem seu tempo e o meu tempo já foi. Eu tenho 78 anos, mais dois são 80. Hora de parar, mas a gente não perde o compromisso, amor e preocupação com a cidade da gente e dos filhos da gente. Mas não para assumir cargo, isso não. De jeito nenhum.
Poços Já: Os candidatos para as próximas eleições já estão definidos?
Sebastião: Não, que eu saiba não. Tem muita especulação. O PSDB está com o Sérgio da Coopoços, diz que o Geraldo quer ser candidato, o Paulinho quer ser candidato, o Eloísio certamente é candidato. Se sair um monte de candidato aí é capaz do Eloísio continuar de prefeito.
Poços Já: Há a possibilidade de voltar a se aliar ao Paulinho?
Sebastião: É muito difícil, tem certas coisas que deixam marcas, que é difícil. Perdoar é uma coisa. A fazenda do meu avô, quando eu era menino, tinha um burro que chamava apaixonado. Se ele pisasse em um buraco de tatu você nunca mais passava naquele lugar com ele. Ele empacava e não ia. Se ele não passava no mesmo buraco, para a gente é mais difícil ainda de passar no mesmo buraco. Eu não tenho mágoa nenhuma, ressentimento de ninguém. Tenho até amizade, mas não piso no mesmo buraco.
Poços Já: O que aconteceu exatamente?
Sebastião: É difícil até de saber, eu atribuo muito ao Ricardo Pereira de Melo, que virou um assessor do Paulinho. Eu acho que ele pôs na cabeça do Paulinho que não precisava de parcerias com Navarro, Mosconi, com Geraldo, com ninguém. Eu acho que foi isso porque um dos motivos maiores do afastamento foi ele querer transformar a rodoviária em prefeitura e matar a ideia do Paço Municipal. Isso era ideia do Ricardo de Melo, era até programa de governo dele quando foi candidato a prefeito. Nós ficamos com o Geraldo, apoiamos o Geraldo, que tão logo perdeu a eleição se uniu com o PT. A turma nossa levou um choque, nós trabalhamos para ele na eleição. Ficou não uma mágoa, não um ressentimento, não comigo. Eu sou muito amigo do Geraldo, sou amigo dele, mas ficou um ponto de interrogação com o grupo. São coisas que acontecem na política.