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Poços de Caldas

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Mãe de muitos filhos

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Ana Paula Tranche é presidente voluntária da Adefip.
Ana Paula Tranche é presidente voluntária da Adefip.

Depois da entrevista, Ana Paula nos leva para conhecer o espaço. Em cada sala, somos recebidos por funcionários que explicam com orgulho o trabalho que fazem. Também recebemos muitos sorrisos, dos pacientes, dos voluntários, dos profissionais. Para melhorar o clima de harmonia, um quintal cheio de árvores e o forte cheiro de bolo caseiro. Daqueles de casa de vó.

É assim na sede da Associação dos Deficientes Físicos de Poços de Caldas, a Adefip. No Poços Já Entrevista, a presidente voluntária da instituição, Ana Paula Tranche, lembra de uma trajetória das mais emocionantes. Inspirada pelo filho que tem paralisia cerebral, ela acredita que é apenas um instrumento na luta pelos direitos dos deficientes e considera cada paciente da instituição um filho seu.

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Poços Já: Como foi o início da sua luta pelos deficientes físicos?

Ana Paula: Minha luta começou com o nascimento do meu filho. Eu tenho dois filhos, o Caio e o Gustavo, e o Gustavo tem paralisia cerebral. O Caio está com 16 anos e o Gustavo com 12, então faz 12 anos que a gente está na luta. Através do Gustavo eu fui conhecendo as dificuldades de outras mães, porque a gente buscava o tratamento em São Paulo. Nessas viagens a gente via o sofrimento não só dos pacientes, mas das mães também, porque ficava muito tempo na estrada às vezes para buscar uma hora de terapia.

Poços Já: A partir daí, você se uniu à Adefip?

Ana Paula: Vendo essa luta, eu conheci mais duas mães, a Keila e a Silvana, e a gente idealizou, foi seguindo os modelos que a gente via em São Paulo. Pensamos em fazer um abaixo-assinado, porque a gente queria mostrar, não só para o poder público mas também para a população de Poços de Caldas, que a gente precisava criar um centro de reabilitação aqui. Em um período de dois meses a gente colheu mais de 27 mil assinaturas. Aí quando a gente colheu as assinaturas a gente conheceu a Adefip, que já existe há 30 anos. O Seu Vlad era o presidente e a gente apresentou o projeto, ele ficou encantado. Eu falo que foi um encontro mágico. Eles faziam um trabalho voltado para o deficiente adulto e a gente procurava um trabalho voltado para as crianças. Em 2007 a Adefip abraçou esse projeto e a gente passou a desenvolver o centro de reabilitação.

Poços Já: Como era a Adefip nessa época?

Ana Paula: Ela tinha uma sede pequenininha, na Vila Cruz. Eram três cômodos, uma recepção e um banheiro. A equipe era formada por oito funcionários voluntários e a gente tinha 23 pacientes.

Poços Já: E vocês também colaboraram para a vinda da AACD.

Ana Paula: A gente ia também na AACD em São Paulo, procurava o presidente de lá para trazer uma unidade aqui para Poços. Depois de cinco anos de luta, a gente conseguiu trazer. A princípio era para ser uma coisa só, mas os objetivos nossos são diferentes, os pacientes também são diferentes. A Adefip trabalha com o paciente mais a longo prazo, os pacientes mais graves. Eles não conseguiam atender, dentro do protocolo, todos os nossos pacientes. Na época, 80 pacientes nossos ficariam sem atendimento, inclusive meu filho. Aí a Adefip resolveu então manter o centro de reabilitação. Hoje a gente há está com 176 pacientes e uma fila de espera de quase 50. São quase três mil atendimentos por mês gratuitos.

Poços Já: Voltando na sua história, como você descobriu que seu filho tinha paralisia cerebral?

Ana Paula:  A gravidez transcorreu normal até o oitavo mês. No nono mês eu entrei em trabalho de parto e fui internada, mas como se fosse uma intoxicação alimentar. Fiquei quatro dias internada. Quando eu saí, à tarde eu já voltei para o hospital com uma hemorragia. O neném tinha tido parada cardíaca dentro da barriga. Quando ele nasceu ele foi reanimado, teve várias paradas pós-parto e a lesão dele foi muito grande, muito grave mesmo. Hoje, ele tem microcefalia. Tem 12 anos, mas ele não anda. Agora aprendeu a falar ‘mamãe’, que orgulho (risos), alimenta por sonda, tem uma baixa visão e a audição dele é perfeita. É uma criança muito feliz, muito tranquila, não dá trabalho. A única preocupação que a gente tem é, quando ele não está bem, é que às vezes a gente demora um pouco para diagnosticar onde é a dor, o que ele está sentindo.

Poços Já: Como foi a sua reação ao receber a notícia?

Ana Paula: Não tem como você não se revoltar. Se a gente falar que recebe a notícia e fala que está tudo bem, seria muita hipocrisia. A gente não está preparada, o hospital não está preparado para te dar essa notícia. Eles despejam um tanto de coisas que você não sabe o que são e não consegue assimilar. Eu não sabia se ia dar conta de uma criança especial, meu outro filho tinha quatro anos. Foi uma gravidez planejada, desejada. Então na hora você sente aquela revolta. Aí você começa a questionar Deus. Quando você é testado que você vê até onde vai sua fé. E na época não foi diferente comigo. A resposta de todos os meus questionamentos eu encontro dentro da Adefip (neste momento, Ana começa a chorar). Não tem como não me emocionar. Passa um filme na cabeça da gente, parece que foi ontem. Aí você vai vendo que não é a única, que às vezes seu caso é muito pequeno perto de outros.

Filho Gustavo motivou o início da luta pelos direitos dos deficientes.
Filho Gustavo motivou o início da luta de Ana Paula pelos direitos dos deficientes.

Poços Já: Quais foram as maiores dificuldades nessa época?

Ana Paula: Os dois primeiros anos foram muito difíceis, foi uma adaptação. Ele ficava muito internado, eu podia contar os dias que eu ficava em casa. Primeiro eu tive que me tratar, acreditar, fortalecer a minha fé e descobrir. Aí eu fui estudar, você se torna uma autodidata. Nesse período, ele já estava com quase seis meses e desenvolveu a Síndrome de West. É uma epilepsia, que dá uns trancos. Ele chegava a ter quase duas mil crises por dia. Mas eu conheci uma fisioterapeuta que falou para parar de ler patologia e ler sobre potencial, sobre a plasticidade cerebral, para não rotular meu filho.

Poços Já: Vocês sofreram preconceito?

Ana Paula: Eu já passei, em alguns consultórios médicos, de chegar com meu filho e alguma criança querer brincar, mas a mãe falar ‘não, ele é doente’. Ele não é doente, não tem nada que pegue, que contagie. Ele é uma criança que tem limitações e isso você vai aprendendo com o tempo, vai amadurecendo com o tempo.

Poços Já: O apoio da família também é importante.

Ana Paula: Tem muitas famílias que se desestruturam, graças a Deus eu tenho uma família bem estruturada e eu acho que isso foi fundamental para todo o processo. Pai, mãe, sogra, sogro, marido, a família mesmo. Isso é um grande diferencial. É o cuidado que a gente tem aqui na Adefip, de acolher essas famílias. Primeiro na verdade a gente tem que tratar a família, para depois tratar a criança. Tem dia que é muito difícil. O Gu já está com 12 anos e oito meses. Tem altos e baixos, tem dia que ele não está bem e você fala ‘queria que fosse diferente’. Mas hoje o que ele traz de bom é muito maior do que tudo isso.

Poços Já: Como foi a evolução dele na Adefip?

Ana Paula: A Adefip foi fundamental em relação a toda a qualidade de vida que ele tem hoje. Desde a parte de reabilitação, eu acho que quando a gente intensificou a fisioterapia, a fisioterapia respiratória, conseguiu diminuir o quadro de internações, de pneumonia. Aí a gente começou a trabalhar a parte motora dele. Os médicos falam que, clinicamente, ele não corresponde com a lesão neurológica dele. Ele está muito bem para o tamanho da lesão, é como se tivesse sobrado só um miolinho no cérebro.

Poços Já: Ele frequenta a escola?

Ana Paula: A Adefip trabalha muito com a inclusão escolar. Em 2009 o Gustavo foi para a escola e já estava com nove anos. Eu, mesmo estando na diretoria, à frente do projeto, fui uma das últimas mães a colocar o filho na escola. Eu tinha pânico de imaginar, porque ele não fala, usa fralda, alimenta por sonda. Foi um período muito difícil para mim, mas hoje eu falo que foi a melhor coisa que eu fiz para o Gustavo. Eu devolvi para ele o direito de ser criança, porque as crianças não têm preconceito. Ele aprendeu a conviver com as pessoas. Ele aprendeu a sonalizar, às vezes saía um ‘a’, um ‘é’, até sair o ‘mamã’. Eu acho que tudo isso quem proporcionou foi a escola, foi conviver com as outras crianças, aquela alegria. Foi um ganho enorme para a vida do Gustavo e uma outra visão para a Adefip também.

Ana Paula está na Adefip desde 2007.
Ana Paula está na Adefip desde 2007.

Poços Já: Além da escola, vocês também fazem outros trabalhos de inclusão?

Ana Paula: Hoje a gente faz um trabalho muito forte de inclusão no mercado de trabalho e no esporte adaptado. A gente tem menino selecionado para campeonatos nacionais com o Comitê Paraolímpico. Isso é inclusão.

Poços Já: O espaço aqui é muito bom.

Ana Paula: Aqui o espaço é maravilhoso. Além de cada um ter a sua sala, arejada, a gente também tem uma área verde maravilhosa. A gente começa a ver os pacientes no intervalo de terapia tomando um sol, estamos com a criação do projeto da horta, que vai gerar uma mudança de cultura. E eles que fazem, são sempre os pacientes da Adefip que estão envolvidos. Esse espaço veio de fato reconhecer todo o trabalho que a Adefip faz e os resultados que a gente vem alcançando ao longo desses anos. Estar aqui hoje é melhorar a qualidade do atendimento, a qualidade de vida de cada paciente. E uma forma de mostrar para eles que a gente reconhece o potencial deles, que eles são importantes e merecem um lugar melhor.

Poços Já: Como a instituição sobrevive?

Ana Paula: Hoje os convênios que a gente tem arcam com 60% das despesas. Os outros 40% a gente tem que correr muito atrás. São eventos, telemarketing, doação, a comunidade de Poços de Caldas que está junto com a gente. A gente tem um cuidado muito grande de mostrar o que a gente faz e prestar contas certinho. Tudo o que tem aqui é da comunidade, é de Poços de Caldas. Eu não tenho que reclamar de nada, a gente sempre teve apoio.

Poços Já: Vocês pretendem expandir o atendimento ainda mais?

Ana Paula: O maior desafio da instituição é buscar alguma forma de ser autossustentável, sem ficar dependendo tanto de poder público. A gente presta um serviço para o município e o município tem o dever de estar junto da instituição. Mas eu também tenho as minhas obrigações. A maior despesa da instituição hoje é a folha de pagamento. Você consegue montar muitos projetos para doação de equipamentos, materiais, mas não consegue ter um projeto que banque o RH, que banque a mão de obra. Estamos com um pedido para ter o CEBAS, que é a certificação nacional da assistência social. Se eu não tiver esse certificado eu tenho que pagar o imposto patronal. Hoje a gente paga em torno de 28 mil de imposto patronal. Com 28 mil eu poderia atender em torno de 60% da fila de espera.

Poços Já: O clima aqui é acolhedor, tem cheiro de bolo, as pessoas são sorridentes, calmas, a recepcionista é alegre. É isso mesmo?

Ana Paula: É isso mesmo. Eu sempre falo para todos da equipe que a gente é do tamanho daquilo que a gente acredita. A gente pensa grande, mas não pode perder a essência. O dia que a gente perder a essência a Adefip não precisa existir. Você entra aqui com uma esperança de um desenvolvimento melhor, de uma qualidade de vida melhor. E essa acolhida é muito importante, porque eu sei o significado de passar por uma situação, o mundo desabar e você não ter essa acolhida. A gente fala que aqui é uma família mesmo. O melhor remédio é o sorriso, acho que não tem remédio melhor para a alma.

Poços Já: Você é uma líder, agregou muitas pessoas por essa causa. É um trabalho que vai ter que fazer durante toda a vida.

Ana Paula: É verdade. Mas eu tenho muito pé no chão, eu me sinto parte disso. Eu me esforcei muito, dei muito a cara a tapa, abracei a causa. Mas acho que fui apenas um instrumento, eu sinto isso. Eu costumo falar que quem é o presidente é Deus, ele sabe das nossas necessidades, das nossas dificuldades. Eu nunca estive sozinha, nunca fiz nada sozinha. A Keila é outra mãe que está desde o início, o tempo inteiro junto. O objetivo é único, a causa é única, mas todas as pessoas têm que sonhar junto. Mas o maior líder é o Gustavo. Ele veio com uma missão muito forte, eu entendi a missão e fomos juntos nisso.

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