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Poços de Caldas

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“Eu já desisti de cobrar dessa prefeitura”, diz líder do Pedala Poços

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Grupo Pedala Poços foi criado em 2014.
Álvaro Danza criou o grupo Pedala Poços em 2014.

No próximo domingo, centenas de ciclistas vão se reunir no 2º Pedalaço, promovido pelo grupo Pedala Poços, a partir das 9h, na Praça do Museu. O objetivo é chamar a atenção das autoridades para a necessidade de implantação de um Plano Cicloviário na cidade.

O líder do movimento, Álvaro Danza, conversou com o Poços Já e externou toda a decepção que sente com a atual administração. Ele considera a prefeitura uma ‘trituradora de ideias’ e afirma que desistiu de cobrar do prefeito Eloísio, principalmente depois da ciclovia ter sido retirada do projeto de revitalização da Rua Marechal Deodoro. Bom exemplo de como as verdadeiras mudanças encontram grandes obstáculos: a mesmice e o comodismo que rondam o poder público.

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Poços Já: Você anda de bicicleta desde criança?

Álvaro: Eu aprendi a pedalar na recém-inaugurada ciclovia da Lagoa Rodrigo de Freitas, lá no Rio. Foi a primeira ciclovia do Rio de Janeiro, na década de 70. Aí mudei para Poços de Caldas com cinco anos, já tinha uma bicicletinha. Eu e a criançada do bairro vivíamos em cima de duas rodas, andei de bicicleta a vida inteira.

Poços Já: Qual a sua formação?

Álvaro: Me formei em desenho industrial e tive a oportunidade de morar um ano na Holanda, aí que o bicho pegou mesmo. O projeto de formação da faculdade já era uma bicicleta tecnológica, com câmbio automático, fibra de carbono, sistema pneumático para encher e esvaziar pneu sem precisar parar a bicicleta. Lá você viaja de uma cidade a outra com toda a segurança. Não precisa ficar disputando espaço com carro e, mesmo quando tem rua compartilhada, os carros respeitam as bicicletas.

Poços Já: Você também anda de bicicleta com seus filhos?

Álvaro: Meus filhos eu levava na escola um na cadeirinha da frente, o outro na cadeirinha atrás. Eles foram crescendo, o menorzinho passou para a cadeirinha maior e minha filha mais velha ia na outra bicicletinha, atrás de mim no trânsito. Mas aí eu comecei a perceber que o trânsito não era mais como quando eu tinha dez anos. E poxa, eu tenho o direito, por que não posso ir de bicicleta? Por que não posso andar de bicicleta em cima da calçada? Por que na calçada é proibido? Tudo bem que uma calçada na Rua Assis seja proibida para bicicleta porque tem muito pedestre, mas uma calçada na Rua Junqueiras, algumas calçadas em Poços podem muito bem ser compartilhadas. Com uma velocidade moderada você vai numa boa.

Poços Já: Como surgiu o Pedala Poços?

Álvaro: Chegou no final de 2014 e o prefeito Haddad começou com o negócio das ciclovias em São Paulo. Eu falei ‘Olha que interessante, o prefeito de São Paulo é do mesmo partido do prefeito de Poços, quem sabe se a gente cutucar o prefeito aqui em Poços ele embarca nessa ideia também? ‘ Aí eu criei o Pedala Poços no Facebook com a intenção de mobilizar o pessoal a cobrar do poder público a implantação de ciclovia.

Poços Já: E foi criado inclusive um Plano Cicloviário?

Álvaro: Fiz um Plano Cicloviário com 130 quilômetros de ciclovia, não esqueci nenhum pedacinho de cidade. Peguei o mapa do satélite e todos os bairros, a poucos metros, têm uma ciclovia já acessando. Sempre desviando dos percursos mais íngremes e usando calçada compartilhada, ciclovia, ciclofaixa, uma grande malha cicloviária. E dando solução para guardar os carros que hoje estacionam na rua. Eu dei a ideia de que se faça uma parceria público-privada para que façam a verticalização dos estacionamentos e assim você consegue colocar mais carro num lugar só. E você libera espaço para que se faça interligação da ciclovia da João Pinheiro com a ciclovia da zona sul. Libera espaço na rua para a pessoa conviver, para a cidade voltar a ser das pessoas e não só nos carros.

Poços Já: Como você avalia as duas ciclovias de Poços?

Álvaro: Eu tenho ainda que levantar a mão pro céu da gente ter essas duas ciclovias. A ciclovia da zona sul é perigosa. Tem trechos que estão mal conservados, com bueiro entupido, com afunilamento. Não é totalmente conectada, você se perde, principalmente no trevo na Saturnino de Brito. Já lancei a ideia para o prefeito, para que ele abra um concurso público de um projeto de passarela para aquela região. Abre para os estudantes de arquitetura do Brasil inteiro, coloca um prêmio, ganha destaque e a cidade pelo menos tem um projeto para no futuro, quando tiver verba. Mas não se faz. Tem um amigo meu que diz que as prefeituras de Poços, há muito anos, são um triturador de ideias. Você joga as ideias lá e se desfazem, não vão pra frente.

Segundo Álvaro, ciclovias devem ser implantadas para dar mais segurança aos ciclistas.
Segundo Álvaro, ciclovias devem ser implantadas para dar mais segurança aos ciclistas.

Poços Já: E a da João Pinheiro?

Álvaro: A ciclovia da João Pinheiro também é fundamental para a cidade. Mas também não tem sinalização, nos cruzamentos com as pontes não têm faixa indicando que ali está passando uma ciclovia. Não tem sinal de trânsito para o ciclista. Nesse trevo da ponte da Urca é necessário um sinal de trânsito de três tempos para dar espaço para o ciclista, para o pedestre atravessar. São coisas simples, que poderiam ser feitas com pouco recurso, mas não se faz nada.

Poços Já: Como foi a recepção do prefeito Eloísio ao projeto?

Álvaro: A primeira vez que eu conversei com o prefeito foi em novembro de 2014. Ele me sugeriu que mobilizasse a população, que com a opinião pública a favor ficava muito mais fácil. Poxa, eu achei uma dica valiosíssima e fomos atrás da opinião pública. Em março desse ano nós fizemos um primeiro Pedalaço, conseguimos juntar quase 300 ciclistas. O prefeito foi, vestiu a camisa, pedalou junto, ele e a família dele. Março passou, estamos chegando no fim do ano e nada foi feito. Zero. Nada feito.

Poços Já: E quanto à ciclovia da Rua Marechal Deodoro?

Álvaro: Procurei o pessoal do Planejamento, eles me apresentaram o projeto antigo, tinha ciclovia e estava incluído no orçamento do PAC. Mas a prefeitura atual achou por bem tirar a ciclovia e manter três faixas de carro. O negócio é carro, quanto mais carro melhor. Infelizmente.

Poços Já: Mas qual seria o motivo de retirada da ciclovia do projeto?

Álvaro: O prefeito falou que fez uma ampla discussão para fazer a obra da Marechal, discutiu com os comerciantes, mas que se o Pedala Poços ouvisse os comerciantes poderia repensar. Eu fui lá, ouvi, mandei 90 formulários para os comerciantes da Marechal e 75% foram favoráveis à ciclovia, mas o prefeito é birrento. Eu cansei de luva de pelica, vou ser mais incisivo. Ele foi birrento. Eu coloquei em cheque, e mesmo assim ele falou que vai ser do jeito dele, que não quer saber de ciclovia. Eu já desisti de cobrar dessa prefeitura, estou agora trabalhando para cobrar dos próximos prefeitos, que serão candidatos. Vamos ver se alguém faz alguma coisa.

Poços Já: O problema então não é falta de informação.

Álvaro: Não é de falta de informação, é falta de vontade política. O prefeito e os subordinados próximos a ele entendem que a bicicleta não é importante. Vão na contramão de muitas cidades do mundo inteiro, Nova York, São Paulo. O Haddad pode estar recebendo a paulada que for, mas é um homem de muita coragem para investir nisso. Os resultados desse investimento que ele está fazendo em São Paulo vão ser sentidos daqui a dez anos. Vai mudar a cultura da cidade. Depois que inauguraram a ciclovia da Paulista o número de ciclistas cresceu 50% em poucos dias.

Poços Já: Para ter ciclista, precisa ter ciclovia.

Álvaro: Primeiro construa, depois eles virão. Esse é o lema do holandês. Muita gente que não pedala para trabalhar não vem porque tem medo do trânsito.

Poços Já: E a ciclovia pode ser boa para o comércio?

Álvaro: Em Nova York está sendo implementada uma grande malha cicloviária e o comércio ganhou muito com uma ciclovia passando na porta. A pessoa que está de bicicleta percebe a vitrine, percebe a cidade, encosta a bicicleta na maior facilidade. Quem é contra a ciclovia ainda não percebeu isso. Principalmente no Brasil, bicicleta é vista como coisa de pobre. Eu trabalho de bicicleta, eu não ando de bicicleta só por esporte. É meu modo de locomoção e é assim que o pessoal tem que começar a enxergar.

Poços Já: Qual a meta atual do Pedala Poços?

Álvaro: O Pedala Poços agora está batendo na tecla seguinte: que a prefeitura faça 300 metros de ciclovia isolada em algum lugar, mas faça. Outros 500 metros em outro ponto, mas faça. Porque nesses pontinhos onde tiver uma ciclovia, uma criança a mais vai brincar, vai andar de bicicleta. E a criança que anda de bicicleta vira um adulto que vai andar de bicicleta também. E assim você muda a cidade inteira.

Poços Já: Você citou Nova York,  São Paulo, grandes cidades. É mais difícil ter ciclovia no interior?

Álvaro: No interior não é mais difícil. Em Poços de Caldas tem uma relutância. Palavras do nosso prefeito: ‘Poços é uma cidade que a topografia não facilita, não é boa para bicicleta’. Ora bolas, a topografia pode ser superada numa boa. Você pode traçar ciclovias por ruas menos íngremes. Hoje em dia as bicicletas têm câmbio, você pode superar ladeiras muito íngremes de bicicleta. Já existem bicicletas elétricas. É uma desculpa que não cola. Lisboa fez um plano muito legal de ciclovias, o Lisboa Plana. Lisboa é uma cidade também de colinas, como é Poços. Só que eles fizeram um estudo e perceberam que mais de 60% das ruas de Lisboa são fáceis para bicicleta. E em cima disso eles traçaram o plano cicloviário de Lisboa, que está sendo implementado. Falta mesmo é a vontade política.

Poços Já: Até porque se você ligar as duas ciclovias, praticamente não tem morro.

Álvaro: É razoavelmente plano, você vai pegar uma subida até ali no Walter World e pronto, mas é uma subida fácil. As bicicletas hoje têm câmbio, vai de boa. Eu tive uma grata surpresa esses dias. Fui comprar leite e a moça da leiteria falou ‘Olha, eu coloquei a minha bicicleta para andar de novo. Estou vindo trabalhar de bicicleta. Eu moro lá para cima do Santa Augusta e estou indo empurrando, da metade do morro em diante. Mas já melhorei, no primeiro dia eu não conseguia nem chegar até a metade’. Então é assim, se abrir espaço para a bicicleta o pessoal gosta, não gasta gasolina, não polui, economiza o dinheiro do ônibus.

Poços Já: A falta de verba da prefeitura provavelmente é um argumento.

Álvaro: Já lancei a ideia também de fazer parceria público-privada para construir ciclovia, igual a prefeitura já faz com a adoção de praças e jardins. A empresa adota um trecho de ciclovia, coloca a plaquinha lá fazendo propaganda naquele trecho. E a ciclovia é construída, a prefeitura só entra com a mão-de-obra.

Pedalaço será no domingo (27), por mais ciclovias em Poços de Caldas.
Pedalaço será no domingo (27), por mais ciclovias em Poços de Caldas.

Poços Já: Também seria importante a elaboração de um Plano de Mobilidade Urbana.

Álvaro: Esse ano a gente conseguiu, por causa do plano cicloviário que a gente traçou, um apoio de quatro ONGs ligadas a mobilidade urbana para receber assessoria técnica para inserir o Plano Cicloviário no Plano de Mobilidade Urbana de Poços. Graças à lei aprovada pela presidente em 2012, todas as cidades com mais de 20 mil habitantes têm que ter um Plano de Mobilidade Urbana. E Poços não tem, nem começou. Mesmo assim, Poços de Caldas foi selecionada entre dez cidades no Brasil inteiro. São três ONGs brasileiras, com apoio maior de uma ONG estrangeira, a Climate Works. No formulário agora já com os primeiros impedimentos com as ONGs, eu aleguei que o plano de mobilidade vai ser elaborado, que a gente tem um prazo até o fim do ano que vem para terminar. Mas a gente vai, conversa com o Planejamento e não se faz. O negócio não vai pra frente. E nós vamos perder esse apoio que a gente conseguiu à frente de tantas cidades importantes. São Paulo está engatilhada para pegar a nossa vaga.

Poços Já: Como será o 2º Pedalaço?

Álvaro: O 2º Pedalaço está tendo o apoio da Associação Poços Sustentável. No domingo vamos fazer essa mobilização, na primeira nós tivemos quase 300 ciclistas. Se a gente tiver a mesma quantidade dessa vez vai ser ótimo. Vamos percorrer até o Parque Municipal e voltar pela ciclovia da João Pinheiro. Vai ser um passeio rápido, só para aparecer e mostrar que tem gente interessada sim nas ciclovias.

Poços Já: Algum desabafo que você gostaria de fazer?

Álvaro: Eu lamento muito a consciência da população em geral por achar que bicicleta é só para pobre, para fazer esporte só. E não é, bicicleta é para você se locomover de um ponto A a um ponto B, não importa se está chovendo. Mesmo com chuva, a minha bicicleta tem paralama. Eu só não ando de bicicleta se estiver chovendo muito mesmo. E é assim, a gente tem que ir de pouquinho em pouquinho para tentar mudar a mentalidade.



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