Quem anda pelo Centro de Poços de Caldas sempre encontra uma figura das mais cativantes. É o Brigadeiro. Assim mesmo, com inicial maiúscula. O vendedor de doces é conhecido na cidade toda e há 21 anos trabalha debaixo de sol. Acompanhá-lo é difícil. O andar rápido é de quem não gosta de perder tempo.
Convidamos o Brigadeiro para uma entrevista e nos surpreendemos com sua história. Vendedor por natureza, já trabalhou com picolé, milho e vela em procissão, entre outros produtos. Também já catou papelão e sabe que é com o próprio esforço que ele garante o sustento e o conforto da família.
Poços Já: Como você começou a vender brigadeiro?
Brigadeiro: Eu comecei não foi aqui em Poços, comecei em Franca. Arrumei uma oportunidade emprego, vim pra cá e já estou aqui há mais de 21 anos vendendo brigadeiro.
Poços Já: Mas veio para cá por quê?
Brigadeiro: Eu vim pra trabalhar de vigilante. A firma fechou, perdeu concorrência, eu fiquei desempregado e comecei a vender brigadeiro. Mas antes de ficar desempregado, eu já estava começando a fazer a freguesia. Trabalhava de dia vendendo brigadeiro e de noite como vigilante.
Poços Já: Mas lá em Franca por que você começou a vender brigadeiro?
Brigadeiro: Eu trabalhava na Viação Cometa, fiquei desempregado, aí tinha uma senhora vendendo doce e minha mulher falou: ‘Eu sei fazer aquilo que ela tá vendendo. Você tem coragem de vender?’ Na situação em que eu me encontrava, desempregado, fui trabalhar. Aí criei coragem e saí para vender na rua.
Poços Já: Até hoje, é sua esposa que faz? Como é a sua rotina?
Brigadeiro: Ela faz, eu vendo. Eu saio cedo, minha vida é uma doce rotina, eu vendo doce todo dia. Quem trabalha por conta própria não tem dia de folga, folga o dia que quiser. Mas naquele dia que você folga, você não ganha nada. E hoje em dia não tem nem jeito de folgar, a situação está difícil para todo mundo. A gente tem que trabalhar diariamente.
Poços Já: Você tira férias?
Brigadeiro: Eu tirei férias já duas vezes, quando eu fiquei internado na Santa Casa com problema de coluna (risos). Eu só fico parado quanto estou doente, caso contrário eu trabalho. Não tenho férias. Eu passei já em duas perícias, tentei encostar no INSS, mas os médicos me veem aqui na rua correndo atrás dos carros. Mas só eu sinto a minha dor, só quem tem sabe o que está sentindo.
Poços Já: Então você tem a preocupação de contribuir com o INSS.
Brigadeiro: Eu contribuo há mais de dez anos, tentei aposentar mas não consegui. Tenho hérnia de disco, bico de papagaio, acho que por isso que falo muito (risos), nervo ciático, uma série de problemas. Tudo doença de velho, fui ter com vinte e nove anos de idade. E fui parar na Santa Casa, mas fui muito bem atendido.
Poços Já: Você vende brigadeiro, moranguinho e casadinho. Quanto custa cada um?
Brigadeiro: Equipara ao valor de algumas lanchonetes, que vendem a quatro reais. Eu vendo a quatro também, mas como tenho freguês na cidade há mais de dez, quine anos, eu faço até dois reais. Às vezes tem uma mãe com duas crianças e ela não tem condição de comprar para os dois. Não pode perder o freguês.
Poços Já: E vocês têm outra fonte de renda?
Brigadeiro: Não, a gente sobrevive do que a gente vende.
Poços Já: E tem alguma estratégia para vender mais?
Brigadeiro: Mostrar o produto e oferecer. A melhor propaganda é do boca a boca. Eu não divulgo em jornal, na televisão, na mídia. A pessoa compra de mim, gostou e já comenta com o outro. O outro vai e compra também. Muitos compram até por curiosidade, pra ver se o produto é bom mesmo. Mas se o produto não fosse bom não estaria no comércio há mais de vinte anos.
Poços Já: E quem compra mais? Criança, adulto, mulher, homem?
Brigadeiro: Eu tenho desde criança até gente idosa, não tem faixa etária. Graças a Deus, todo mundo compra. Doce não é só para criança. A Dona Nini Mourão comprava doce meu. Ela chegava para comprar doce, coitada, vinha até meio trêmula, tinha mais de oitenta anos. Ela tinha a casa dela ali defronte a Praça dos Macacos, depois vendeu a casa e construiu aquele edifício. Deram uma cobertura para ela, lá em cima. Eu interfonava lá, ela sabia que era o Brigadeiro e mandava descer lá embaixo para pegar. Ela freguesa fiel, toda semana ela comprava. Depois veio a falecer, aí ficou só na memória.
Poços Já: Como estão as vendas hoje em dia?
Brigadeiro: Hoje em dia acho que tá ruim para todo mundo, mas a gente é brasileiro e não desiste. Tem que continuar sempre batalhando.
Poços Já: Reflexo da crise?
Brigadeiro: Exatamente. Eu tenho 44 anos e nunca vi, nem quando foi o primeiro cruzado do Sarney, em 88, que me abalou muito. Nunca vi uma situação igual essa. É a pior crise que teve na história.
Poços Já: Qual foi a melhor época?
Brigadeiro: Uns dez anos atrás. Teve muitos dias bons, excelentes vendas, o pessoal tinha mais poder aquisitivo. Hoje em dia tá uma escassez de dinheiro. Tinha vez de sair e vender duas formas de doce em um dia. Hoje em dia, às vezes eu não vendo nem meia forma . Pra você ver como que caiu. Aqui tem movimento o ano inteiro, recebendo turista. Eu tenho freguês até nos Estados Unidos, tem poços-caldense em Mount Vernon que quando vem compra doce de mim. Tem em Houston, em Dallas, New Jersey, Carolina do Norte, já vendi até para americano, chileno, colombiano. Eu tenho falar um portunhol, enrolar um pouco.
Poços Já: E como você fala brigadeiro em portunhol?
Brigadeiro: Falo brigadeiro mesmo. Mas tem um ‘gracias’, ‘una delicia’, ‘ai, caramba’ (risos). No inglês tem ‘very delicious’, ‘very good’, ‘one dollar’.
Poços Já: E você deseja ‘boa sorte’ para os outros vendedores na rua.
Brigadeiro: Claro, para todo mundo. A gente tem que desejar boa sorte para todo mundo.
Poços Já: Não tem concorrência?
Brigadeiro: Não, o sol nasceu para todos mas a sombra também é para todos. A gente tem que saber ir levando a vida enquanto ela não leva a gente.
Poços Já: Como é vender no meio do trânsito?
Brigadeiro: É complicado, o trânsito em Poços de Caldas é caótico, uma loucura. Às vezes a pessoa quer até comprar mas não tem onde estacionar o carro, não tem onde parar, e tem gente atrás ignorante, começa a buzinar, a pessoa não tem paciência, na cidade é um stress violento.
Poços Já: E você tem que ficar correndo atrás dos carros? Qual foi a venda mais difícil?
Brigadeiro: Foi interessante, foi até uma aventura. Eu estava vendendo para um rapaz, próximo à escola Nini Mourão. Aí o semáforo abre, ele falou que queria comprar. Eu desci pra ver se dava tempo de encontrar com ele no semáforo de baixo. O semáforo abriu, é tudo por sequência. Eu fui dar sorte de pegar ele lá próximo ao Thermas. Eu fiz um percurso de praticamente duzentos metros rasos. Ele falou: ‘Brigadeiro, você tá correndo mais que o meu carro’. E comprou com uma satisfação, não tanto pelo brigadeiro, mais pelo meu esforço. Mas tá bom, pra mim é a mesma felicidade vender um doce como vender uma caixinha. O importante é vender, por que a gente vive disso e cada um tem que fazer o que gosta. Tem que ter amor no que faz. Eu sou feliz com a minha venda, graças a Deus. Eu cuido de mim e da minha família, já tenho até netinho, virei avô em Poços de Caldas. Vinte anos não são vinte dias, nem vinte meses. São uma vida.
Poços Já: Você tem quantos filhos?
Brigadeiro: Tenho um casal e uma netinha e tá vindo mais um netinho. Minha filha nasceu em Franca, agora fez 24. Faz 21 anos que ela está aqui. E meu filho tem 19. Já tenho a netinha de oito anos e agora tá vindo um netinho.
Poços Já: E você ouve muitos nãos, certo?
Brigadeiro: Não pode esquentar a cabeça, é aquele ditado: uma porta se fecha aqui e duas, três, se abrem lá na frente. O que eu mais ouço é não. O povo não tem dinheiro, é incrível. Às vezes a pessoa até quer comprar, mas não tem dinheiro.
Poços Já: O vendedor tem que se acostumar com isso.
Brigadeiro: Eu sempre mexi com venda. Quando era criança, vendia picolé, vendi milho, algodão doce, fui engraxate, jornaleiro em Uberaba, catei papelão na rua também. Quando tinha treze anos eu fui servente de pedreiro, hoje até para servente de pedreiro não pode ser de menor para trabalhar. Antigamente podia, então eu sempre trabalhei. Em Três Corações eu vendi até vela, em procissão na semana santa: ‘Olha a vela, vela boa. Aê o picooooolé!’ Eu quando catava papelão em Uberaba, saía sete horas da manhã catando papelão, mas tinha um carrinho que parecia uma gaiola gigante. Eu ficava até escondido atrás do carrinho, o povo nem me via. O pessoal das lojas até deixava papelão lá fora, para quem passava coletando já ficava no jeito. Eu trabalhava cedo, estudava à tarde.
Poços Já: Você é de onde?
Brigadeiro: Eu sou de Três Corações. Meu pai é policial, então eu sempre acompanhava ele. Já morei em Varginha, Três Pontas, Uberaba, Caxambu, Itajubá. Poços de Caldas é a oitava cidade que eu moro. Nunca na minha vida eu morei tanto em uma cidade como em Poços de Caldas. Eu tenho orgulho de morar em Poços, sou poços-caldense de coração. Criei minha família aqui, enraizei aqui. E nem pretendo sair daqui.
Poços Já: Mas gostou do quê aqui em Poços?
Brigadeiro: Eu gostei daqui, do clima, da cidade, o povo aqui é totalmente diferente, mais amistoso. Também quando vim para cá foi através de emprego, tinha muito mais oportunidade do que em cidade pequena. Poços de Caldas para mim é um paraíso, eu tô feliz aqui.
Poços Já: O que você e sua família conseguiram conquistar com os brigadeiros?
Brigadeiro: Hoje eu tenho meu carrinho, vim para cá e não tinha nem uma bicicleta. Não é um carro do ano, mas se precisar viajar, pode viajar tranquilo. Tenho minha casa montada, graças a Deus. Quando vim pra cá eu vim praticamente com a roupa do corpo. A gente não passa necessidade, pode comer do bom e do melhor.
Poços Já: E como foi essa história de se candidatar a vereador?
Brigadeiro: Foram duas vezes, em 2000 e 2008. Na primeira vez, muita gente falou que não votou em mim porque estava em tal partido. Eu troquei de partido e tive menos votos do que a primeira vez. Muita gente fala que vai votar em mim, mas não sei. Já estou meio velho pra isso.
Poços Já: Por que você quer ser vereador?
Brigadeiro: Uai, para tentar ajudar a população e a cidade. Tem gente que pensa em entrar lá para pensar em si próprio. Mas tem que pensar na maioria, não só por ele.
Poços Já: Para finalizar, algum caso engraçado que você se lembra?
Brigadeiro: Uma vez estava em uma loja e tinha esse senhor, que tinha vindo dos Estados Unidos. Ele não sabia que eu estava vendendo, achou que era cortesia da loja. Ele pegou e foi dando os doces para as crianças. Passou um tempo, ele veio e pagou depois. E tem um outro caso, que nem é engraçado. Tinha uma moça com uma senhora dentro do carro, fazendo maior sacrifício para colocar a senhora na cadeira de rodas. O povo passava e nem olhava. Ela era neta dessa senhora. Eu pus a forma no chão, fui lá e ajudei. Foi puro instinto, nem queria vender doce para ela. Vi que ela estava sofrendo, não conseguia tirar a senhora do carro. Isso para ela foi uma grande satisfação, hoje em dia o que falta muito é amor ao próximo. A gente tem que fazer o bem sem olhar a quem. Passaram uns dois anos e ela disse que nunca esqueceu. Isso alegrou meu coração. Nesse dia ela comprou umas duas caixinhas de doce, feliz da vida.
Poços Já: Qual o seu nome?
Brigadeiro: Júlio César Amorim.
Poços Já: Mas é conhecido como…
Brigadeiro: Brigadeiro.