João Alexandre Moura sabe que entrou para a história de Poços de Caldas e se orgulha disso. Primeiro secretário municipal de Cultura, ele lembra que o cargo é passageiro. Assim, precisa garantir que as conquistas de hoje sejam mantidas nas administrações seguintes.
Em entrevista ao Poços Já, João Alexandre fala sobre os desafios atuais na área cultural e sobre os processos que estão sendo implantados na secretaria. Pai e professor, também comenta as dificuldades de combater a cultura de massa e de descentralizar os espaços culturais.
Poços Já: Qual a sua experiência na área cultural antes de se tornar diretor de cultura?
João Alexandre: Eu sou militante da área da cultura e também da área da educação. Sou professor de geografia e sociologia e trabalhava até 2012, antes de assumir a diretoria de cultura, com gestão cultural. Eu tenho uma pós-graduação na área de gestão cultural e trabalhava na Companhia Tema de Artes Cênicas. Sou casado com uma atriz, a Juliana, e de 2006 até 2012 a gente trabalhou juntos, concorreu a prêmios do Ministério da Cultura também, em gestão cultural. Foi muito bacana. Aí veio o convite do prefeito, eu me afastei do grupo.
Poços Já: Até o momento, quais objetivos da sua gestão foram cumpridos?
João Alexandre: São os objetivos da campanha do prefeito Eloísio: criação da Secretaria de Cultura, implementação do Sistema Municipal de Cultura, amplos poderes para o Conselho Municipal de Cultura e valorização dos artistas locais. Esses objetivos foram alcançados, nós temos o conselho hoje ativo, deliberativo, construindo as metas para a cultura. Criamos o Sistema Municipal de Cultura e o conselho faz parte disso, das reformas nas leis. E desde 2013 estamos valorizando muito os artistas locais, tanto no Carnaval, no Julhofest, na programação de natal, nos projetos paralelos que nós temos com outras secretarias também.
Poços Já: A Urca é o espaço mais utilizado para a cultura, mas temos outros locais como a Casa dos Bonecos, o Sesc, a Cia. Bella de Artes. Porque não ocorre a descentralização?
João Alexandre: É um desafio também. As pessoas querem muito a Urca. Para você ter uma ideia, dos 365 dias do ano a Urca é utilizada em 340 dias. A nossa agenda é bastante comprometida, 83% das solicitações são de programação cultural. Em sua maioria nos dias nobres, de quinta a domingo. Quando a gente recebe solicitações a gente sempre indica esses espaços também, aí eu não posso falar porque como não sei como é a gestão privada desses locais. As taxas aqui na Urca são respeitando um decreto de 10% para artistas de fora e 5% para artistas locais de bilheteria. Esse recurso vai para o fundo de cultura. Claro que tem parcerias também. A Urca já tem know how, um processo do turista vir aqui e saber da agenda, e a questão da quantidade de lugares. Na Casa dos Bonecos são 60 pessoas, na Companhia Bella talvez umas 150 pessoas. No nosso teatro cabem 500 pessoas, então tem essa questão de receber um público maior também.
Poços Já: Nesses últimos três anos houve muitas mudanças no Julhofest.
João Alexandre: O festival cresceu muito. Eu que militei nos últimos anos, na cultura, vi um crescimento muito vertiginoso desse festival. Inclusive, na administração passada, em dois anos não teve investimento público nenhum. Não existia edital, quem era contratado era o amigo do diretor, o amigo do secretário ou indicação política. O edital possibilitou mapear novos movimentos culturais e criar mais atrações também. Tivemos parcerias também com grupos de fora, grandes espetáculos que sempre vêm com oficinas para os nossos artistas. E desde 2013 a gente viu o crescimento dessas oficinas, que permitiu também o surgimento de novos grupos. Tivemos Companhia Palácio das Artes, Giramundo, Teatro Mágico, Oswaldo Montenegro, Galpão, Ponto de Partida, Solar da Mímica, grandes grupos de expressão nacional junto com os nossos artistas locais. Mas 99% das atrações são dos artistas de Poços de Caldas.
Poços Já: Houve um crescimento da participação dos artistas locais também.
João Alexandre: A gente vê também nos editais o crescimento dos movimentos. No edital de 2013 nós recebemos 40 propostas, no edital de 2014 100 propostas e este ano o edital com 135 propostas. Aumentou a cadeia produtiva de Poços, as pessoas se organizaram, os cursos de formação também, oferecidos pelo próprio Instituto Federal, possibilitaram novos gestores culturais. Mas agora a gente tem um outro desafio, que é aumentar ainda mais esse orçamento para a cultura, para contemplar esses outros projetos. Hoje o nosso orçamento não dá para contemplar todas as 135 propostas. A gente tem que buscar aumentar esse orçamento para a área da cultura, que já está previsto no Sistema Municipal de Cultura. A gente está encaminhando para a Câmara esse novo orçamento para 2016.
Poços Já: O Fundo Municipal de Cultura pode ajudar nesse sentido?
João Alexandre: O Fundo Municipal pode ajudar nisso. E estamos também fechando uma parceria com o DME para fazer um termo de convênio para gerir também o edital deles, que é de patrocínio. Tendo essa parceria com a secretaria de cultura, com os técnicos daqui, vai ser possível também angariar projetos que estão em sintonia com o Sistema Municipal de Cultura e aproveitar também esses recursos para contemplar um número maior de projetos.
Poços Já: Essas grandes atrações do Julhofest foram contratadas ou vieram por leis de incentivo?
João Alexandre: Algumas vêm por Lei de Incentivo, caso do Sideral, outras foram contratações da prefeitura. O Galpão e o Ponto de Partida foram contratados pela prefeitura de Poços de Caldas. Claro que os custos desses grupos hoje são muito baratos, do ponto de vista do mercado, porque eles também têm patrocínio de grandes estatais e algumas coisas eles custearam, como hospedagem e alimentação.
Poços Já: A política de editais provavelmente provoca reações contrárias também.
João Alexandre: Eu acho que as maiores críticas que nós temos à questão do edital são aquelas pessoas que, em outras administrações, se aproveitavam da amizade, da politicagem, para serem beneficiadas. Com o edital isso acabou, ficou transparente, notório. Não somos unanimidade, tem uma parcela do movimento cultural, talvez uns dois a três porcento, que não concordam com essa política de edital. Mas nós seguimos o Plano Nacional de Cultura, o que o Ministério da Cultura faz, o que a Secretaria Estadual de Cultura faz. É uma maneira transparente, sem panelinha, acabando com o paternalismo, com o clientelismo na área da cultura, com o jeitinho brasileiro. A gente abomina isso.
Poços Já: Qual o objetivo do Cultura nas Escolas?
João Alexandre: Nós entendemos que a melhor maneira de se formar público para a cultura é na escola. Se o jovem está na escola e vê uma apresentação da orquestra sinfônica, ou de um teatro, um musical, mais cedo ou mais tarde ele vai querer vir aqui na Urca, ou em qualquer outro lugar apreciar a cultura. Temos diversos alunos que nunca entraram nos nossos espaços culturais, nunca foram em biblioteca, no museu, nunca entraram no teatro da Urca. Quando vamos aos bairros a gente vê essa questão. Nós temos um público mediano, não temos um público absoluto porque, como você falou, a cultura está concentrada no Centro. A ideia é formar público nas comunidades, nos bairros, nas escolas, e levar arte para eles também.
Poços Já: As câmaras setoriais já entregaram os documentos para elaboração do Plano Decenal?
João Alexandre: Estamos recebendo, é um trabalho à parte das câmaras setoriais, dos vários segmentos. Estão reunindo uma vez por mês e na reunião do Conselho de Política Cultural eles estão apresentando. Na última semana foi dança e teatro e até dezembro cada segmento vai apresentar isso para nós. Depois vamos juntar todas essas informações e fazer uma Conferência Municipal de Cultura, no início do ano que vem, chamando todos os segmentos e a sociedade como um todo, para definir as metas desse Plano Decenal de Cultura. Esse documento segue para a Câmara Municipal, para aprovação, e faz parte também do Sistema Municipal de Cultura. São as diretrizes para os próximos secretários de cultura seguirem, atendendo às demandas desses segmentos. É muito importante a participação dos artistas.
Poços Já: O que pode ser feito para estimular a profissionalização e capacitação dos artistas?
João Alexandre: O Sistema também fala em programas de formação na área da cultura, então estamos com parceria com o Instituto Federal para trazermos mais cursos na área cultural. Estamos buscando uma parceria agora com o Sated, que é o sindicato de artistas em Belo Horizonte. Provavelmente, está para fechar em dezembro uma vinda da banca para profissionalização de artistas de teatro, de dança, buscando DRT, a profissionalização mesmo, até para participar de festivais fora de Poços de Caldas. Estamos buscando também essa área da formação do artista, do produtor, do gestor cultural, que é uma das questões estabelecidas no Sistema.
Entrevista foi realizada no gabinete do secretário.
Poços Já: E quanto à captação dos recursos da Lei Municipal de Incentivo? O que será alterado na lei?
João Alexandre: Havia três grandes reivindicações do movimento artístico cultural. A primeira: a lei é de renuncia fiscal, de ISSQN, aproximadamente a prefeitura renuncia a R$600 mil para apoiar os projetos. Esses projetos têm que ir à iniciativa privada captar e posteriormente prestar contas aqui para a Secretaria de Cultura. Desse dinheiro, 90% eram de renúncia fiscal e 10% o artista, o produtor, desembolsava de recursos próprios dele. Nós acabamos com recursos próprios, agora a lei é 100% de renúncia fiscal. A segunda: aumentar o potencial da empresa. A empresa pode incentivar até 20% do imposto devido do ano anterior. Nós ampliamos de 20 para 50%. A terceira grande mudança são as empresas que se declararam substitutas tributárias, que incentivavam grandes projetos e não poderiam mais incentivar esses projetos. Agora, com a mudança na lei, o tomador de recursos da substituição tributária vai poder disponibilizar recursos que paga para o município de ISSQN para incentivar esses projetos também.
Poços Já: Todos os R$600 mil são captados?
João Alexandre: Temos hoje R$350 mil captados, a expectativa apara o ano que vem é bater esse teto de R$600 mil e todo esse dinheiro que a prefeitura renuncia para incentivar a cultura possa estar circulando nesses projetos.
Poços Já: O Sistema garante que a política dos editais continue? Smc garante editais
João Alexandre: O Sistema Municipal garante isso. Essa é uma emenda que eu fiz na conferência, mandamos para o conselho, chegou na Câmara, e todo mundo foi solícito. Consta a questão dos editais e esperamos que seja cumprida pelas próximas administrações.
Poços Já: A cultura popular também é prioridade dessa gestão.
João Alexandre: Os projetos de governo federal a gente sempre orienta para eles encaminharem , como teve o projeto da Dona Orlanda, do Seu Amadeu. A cultura popular tem essa dificuldade da gestão, de encaminhar projetos. Até temos previstos alguns editais para incentivá-los nessa formação na área de projetos, de angariar mais recursos via edital, que é o que faz o estado e o Ministério da Cultura.
Poços Já: O que falta para a implantação da biblioteca da Praça dos Macacos?
João Alexandre: Nós já recebemos todo o acervo, está tudo arquivado aqui conosco na Biblioteca Centenário. Precisamos agora da Secretaria de Obras para fazer uma adaptação naquele espaço, é um banheiro antigo. á está tudo comprado, mesa, cadeira, a questão da telefonia já está resolvida, dos servidores que vão trabalhar lá, e dos livros. O próprio governo do estado fez a compra. A Flipoços doou também mais de cinco mil livros para essa biblioteca. Estamos aguardando a secretaria de obras, é uma das nossas metas para esse ano e para o início do ano que vem.
Poços Já: Como professor, como você vê a aceitação dos jovens à cultura?
João Alexandre: É um grande desafio, os jovens hoje são inteligentes, acredito nos jovens, na educação. Mas constantemente eles são massacrados por aquilo que nós chamamos da cultura de massa. A cultura de massa oferece a eles uma programação única. Poucos programas oferecem oportunidade de divulgar outros trabalhos. É muito importante os meios de comunicação fazerem esse papel, já que são concessões públicas e muitos são até educativos. Lidar com a cultura de massa é um tanto quanto conflitante, por isso um dos papeis da Secretaria de Cultura é oferecer algo diferenciado, além da cultura de massa.
Poços Já: A mídia local cumpre essa função?
João Alexandre: Acredito que as rádios poderiam divulgar mais nossos artistas, é até uma matéria que a gente vem debatendo dentro do conselho. A gente vem conversando com o pessoal da comunicação da possibilidade dos artistas terem espaço na Rádio Libertas. Mas acredito que os meios de comunicação, tanto os jornais como os sites, as tvs, divulga, cumprem o papel. Mas mesmo assim o próprio acesso à mídia local ainda é bem inferior aos grandes meios de comunicação, que espalham outras questões culturais da massa que às vezes afastam o público da nossa linha de pensamento na área da cultura. Mas respeitamos também o direito das pessoas gostarem do que acham que é bom. Isso é bem subjetivo na cultura também, o que é bom para mim às vezes não é bom para o fulano.
Poços Já: Você tem dois filhos.
João Alexandre: Tenho na verdade três. A Luísa, que tem 15 anos, que é a minha enteada, o João Emanuel, de três anos, e a Maria Flor, de quatro meses. Tem uma tropa boa lá em casa.
Poços Já: Eles te incentivam a deixar o setor cultural mais organizado?
João Alexandre: Sim, a minha enteada participou das oficinas, empolgada, faz teatro na escola, participou do Festival Estudantil de Teatro. É uma casa muito voltada para arte, a gente fala disso, de música, teatro, poesia, artes plásticas. O meu menino experimenta na parede algumas pinturas, algumas estéticas (risos). E a pequenininha também, acho que a gente tem que deixar esse legado para os nossos filhos. Tem que ser coerente, né rapaz? Como pai e como secretário.
Poços Já: Para terminar, qual legado você quer deixar para a cultura em Poços de Caldas?
João Alexandre: Acho que é o legado da transparência, eu sou muito adepto dessa questão dos editais, o legado de termos uma Secretaria de Cultura, uma política planejada, que é o Sistema Municipal de Cultura. Isso nos orgulha muito. A gente é sujeito da história, isso é muito importante. Com toda humildade, sem o ego elevado. Também confio muito nos conselhos. Eu não vou estar aqui em breve, mas os conselheiros estarão. Talvez até eu, voltando para a sociedade civil organizada, possa estar no conselho para fiscalizar as ações, para que essa secretaria torne-se mais forte, para que o sistema se efetive, para que aumente o orçamento, para que tenhamos mais movimentos culturais e que seja favorecida a criação. A criação é importante nos dias em que as pessoas estão tão metódicas e robotizadas, que não sabem onde vão chegar. A cultura é estratégica nesse processo de um novo paradigma da sociedade. E que essa política continue, independente de não estarmos aqui. Temos essa consciência. Avançamos muito e esperamos avançar ainda mais.