O delegado Sérgio Elias Dias é o novo comandante da 1ª Delegacia Regional de Poços de Caldas. Natural de Divinolândia (SP), começou a carreira de delegado aqui mesmo em Poços, no final dos anos 90. De volta à cidade, conta que a primeira impressão é de que o crime está mais organizado e cruel.
Por outro lado, comemora a grande evolução da Polícia Civil e lembra que os casos são resolvidos com eficiência. Se o assunto é maioridade penal e sistema carcerário, o delegado tem opiniões fortes. Aliás, as opiniões todas são autênticas. Sobre a Lei Maria da Penha, o delegado acredita que a legislação acabou estimulando a agressão contra as mulheres.
Poços Já: Por que o senhor decidiu ser delegado?
Delegado: Eu decidi ser delegado porque já estava na carreira da Polícia Civil. Eu entrei como escrivão de polícia em 1992, na Polícia Civil de São Paulo. Terminado o curso de direito, a minha prioridade era ser delegado de polícia. Não tinha outra coisa em vista, logo que eu consegui colar grau já fiz concurso para a Polícia Civil de Minas Gerais, fui aprovado e vim ser delegado aqui em Poços de Caldas. Terminando a academia de polícia me designaram para cá, em 1998. Fiquei até 2000 aqui.
Poços Já: O senhor é de onde?
Delegado: Sou aqui de Divinolândia (SP). Sou aqui do lado, nasci na Santa Casa local, aqui em Poços de Caldas. Minha mãe fazia tratamento aqui, mas fui registrado lá.
Poços Já: E depois que saiu de Poços de Caldas?
Delegado: Depois fui para Caldas, assumi a comarca lá. Fiquei em Caldas por oito anos, aí fui convidado pelo dr. Bráulio (Stivanin Júnior, chefe do 18º Departamento de Polícia Civil) para ser delegado seccional em Andradas e fiquei lá mais dois anos. Depois retornei a Caldas e de Caldas fui ser delegado regional em Patrocínio, no Alto Paranaíba. Fiquei um ano como delegado regional e fui para Guaxupé. Em Guaxupé fiquei dois anos e agora fui conduzido para Poços de Caldas como delegado regional.
Poços Já: O senhor inclusive foi diretor do presídio de Poços.
Delegado: Fui. Quando eu cheguei aqui para assumir a delegacia, em 1998, fiquei com a delegacia de tóxicos e entorpecentes e a direção do presídio. Cadeia pública, na época. Não era essa estrutura que é hoje, que é uma maravilha. Antigamente as coisas eram diferentes.
Poços Já: Como que era na época?
Delegado: A guarda, o sistema de cuidado dos presos era bem precário. Não é o dom da Polícia Civil cuidar da questão prisional, mas era um serviço que nos era colocado porque não tinha quem fizesse. A gente tocava isso, mas era muito precário. A Polícia Militar com três, quatro, na guarita, um investigador trabalhando às vezes como carcereiro, um carcereiro às vezes de carreira que tinha na época, e mais nada. E um delegado como diretor à distância, porque tinha a delegacia dele para cuidar. A situação era bem precária, diferente da Suapi (Subsecretaria de Administração Prisional), que tem estrutura. Eu não sei como é a estrutura hoje, deve ter umas 40 ou 50 pessoas ali cuidando dos presos. Tem médico, psicólogo, dentista, antigamente não tinha nada disso.
Poços Já: Qual é a necessidade de termos um novo presídio aqui?
Delegado: Acho muito necessário, isso é de longa data. Lembro que quando eu era delegado aqui, diretor da cadeia, já se cogitava a construção de um presídio. Nós já vamos para 17 anos. Poços de Caldas tem que ter um presídio aqui para abrigar muita gente, nós temos demanda. Presídio ou penitenciária, que seja. Isso é extremamente necessário.
Poços Já: Muitas pessoas são contra.
Delegado: Às vezes as pessoas veem com maus olhos isso, eu não vejo tanto assim. Os presos nossos, que são pessoas aqui da comunidade, da região, não trazem problemas. Nós poderíamos ter problemas se criássemos uma estrutura prisional que recebesse presos de outras localidades, presos perigosos. Uma estrutura prisional hoje em dia gera muito emprego no município. Emprega enfermeiro, médico, agentes penitenciários.
Poços Já: A ressocialização seria mais efetiva também.
Delegado: É, você tem uma ressocialização melhor, mais efetiva. O preso está perto da família, a pessoa pensa em mudar. É aquela história, acontece de todo mundo poder errar uma vez. Você não pode é jogar o sujeito numa situação que ele nunca mais volte, se regenere. Tem que dar uma oportunidade para a pessoa.
Poços Já: Qual a sua opinião sobre a redução da maioridade penal?
Delegado: Eu acho que não devia ter nem discussão sobre maioridade penal, menoridade penal. Nós temos um artigo, o 59 do Còdigo Penal brasileiro, que dá ao juiz uma elasticidade na aplicação da pena muito grande e o juiz vai analisar tudo isso. Ele vai analisar se o sujeito tem capacidade de entender o caráter criminoso, se ele teve condições de entender a sua conduta.
Poços Já: Um dos principais argumentos contra a redução é a superlotação dos presídios.
Delegado: Nós temos a falsa imagem de que qualquer um vai para a cadeia, que a cadeia está superlotada. Superlotada ela está, os presídios estão superlotados. Mas nós temos que analisar que a nossa lei processual penal é benigna ao extremo. Hoje o autor de um furto, por exemplo, a chance dele ficar preso é mínima. Às vezes a televisão, a mídia, confunde um pouco e fala que o sujeito furtou uma barra de chocolate e está preso. Não é a nossa realidade, por onde eu trabalhei isso é irreal, não existe isso. Nós não tínhamos que preocupar se vamos punir o adolescente e ele vai ser jogado numa cela com bandidos extremamente perigosos. Se nós cumpríssemos o que nós temos de legislação hoje, isso não aconteceria. Você pega um menor furtando alguma coisa numa loja, por exemplo, e ele não vai preso. O que não é justo também é um sujeito que mata alguém para roubar e fica três anos, no máximo, tomando medida socioeducativa. Acho que isso é incentivo para que o adolescente cometa o crime. Temos visto situações de adolescentes que partem para assaltar e não estão nem aí. Para ele, matar ou não matar, a punição vai ser quase a mesma. O direito penal não veio para resolver a questão criminal, não veio para acabar com o crime. É uma medida extrema, porque não tem outro jeito de se cuidar disso. O direito penal vê o cárcere como última consequência para o fato criminoso. Não é a primeira, é a última. Se a questão de diminuir a maioridade não resolve, temos que abrir as portas das cadeias todas e soltar todo mundo, porque o cárcere não está resolvendo. Esses discursos que nós temos contra a redução da maioridade não se sustentam. Estamos falando de ideologia.
Poços Já: Nesta semana, a Seds (Secretaria de Estado de Defesa Social) divulgou o relatório de crimes violentos do primeiro semestre. Os dados mostram que houve redução em Poços de Caldas e que a tendência é a mesma no estado de Minas. Mesmo assim, a sensação de insegurança é grande. Por quê?
Delegado: Eu acho que talvez pela gravidade dos crimes que têm ocorrido aqui em Poços. Nós tivemos alguns homicídios com requintes de crueldade, isso dá a sensação de insegurança. Homicídios com essa crueldade dão a entender que o mundo está perdido. Mas não é bem por aí. Estaria perdido se nós tivéssemos 50 homicídios e nada tivesse sido feito. Aí nós poderíamos ficar preocupados. Quanto a esse caso, do ponto de vista da Polícia Civil em si, nós estamos tranquilos. As pessoas que cometeram esses delitos bárbaros foram identificadas, foram presas e vão responder por esses crimes. Isso nos dá segurança e gostaríamos de transmitir à população essa segurança.
Poços Já: Muitos que são presos ficam livres rapidamente também.
Delegado: Alguns crimes nós temos que ter penas maiores. A pena para o crime de homicídio é ridícula. Chega a incentivar o camarada a matar. A pena é muito branda.
Poços Já: Qual é a pena?
Delegado: A pena para um homicídio simples é de seis a 20 anos. Para o homicídio qualificado de 12 a 30. Aí vem aquele problema: se o sujeito cumprisse toda a pena, vá lá. O homicídio, via de regra, é qualificado. São 12 anos e o sujeito vai cumprir só dois quintos dessa pena em regime fechado. Imagina, tirar a vida de alguém, de um jovem, e ficar cinco anos no máximo recluso. Temos que repensar isso, repensar mesmo. A pena para quem mata alguém teria que ser de uns 20 anos no mínimo.
Poços Já: E cumprir.
Delegado: E cumprir esses 20 anos. É muito triste para um pai, uma mãe, perder um filho. O perigo é justamente incentivar outras pessoas a fazerem o mesmo.
Poços Já: Poços de Caldas teve quatro mulheres mortas em menos de um mês. O senhor acredita que um caso possa incentivar o outro?
Delegado: Não, acho que são casos isolados. Isso poderia acontecer se nada tivesse sido feito, se o recado que viesse da prática desses três crimes tivesse sido assim: “Podemos praticar crime contra a mulher que não dá em nada”. Mas não foi isso que aconteceu. A polícia tem dado sua resposta, foi coincidência terem acontecido praticamente na mesma época.
Poços Já: Nos outros locais em que o senhor trabalhou, a violência contra a mulher ocorre da mesma maneira?
Delegado: De certa forma, sim. Eu tenho visto que com a Lei Maria da Penha alguns companheiros, maridos, partem para uma agressão mais grave, mais séria, do que anteriormente. Talvez com o pensamento de “eu vou preso por ter dado um soco nessa mulher ou já vou preso matando essa mulher, já faço a coisa de uma vez”. Isso eu notei em alguns casos, com mortes cruéis.
Poços Já: Como está a situação da Polícia Civil hoje, com relação a equipamentos e efetivo?
Delegado: Nós estamos sempre esperando mais efetivo, temos um efetivo que dá conta do resultado mas temos demandas bastante urgentes e sérias que precisam de aumento de efetivo. Estamos aguardando, agora vai ter um concurso de investigador de polícia, tem uma turma para ser chamada para a Acadepol. Em agosto ou setembro o pessoal já está indo para a Academia de Polícia e isso vai suprir um pouco da nossa carência. Temos essas duas frentes, da investigação policial e do plantão 24 horas. Mas a polícia civil está atenta, trabalhando no sentido de dotar as unidades com mais pessoas.
Poços Já: Já foi possível estabelecer um diagnóstico da segurança pública em Poços de Caldas?
Delegado: Ainda não, é cedo. Estou buscando esse diagnóstico, formar a ideia do que acontece para depois a gente sentar e ver o que vai priorizar.
Poços Já: Mas qual a primeira impressão? O que mudou de 1998 para cá?
Delegado: É diferente. A crueldade parece que não era tanta. Nós tínhamos casos esporádicos, não com a frequência que está tendo hoje. A criminalidade mudou muito, evoluiu, partimos para o crime organizado. Mas a polícia também, por outro lado, trabalha anos-luz à frente do que era em 1998. Posso te garantir isso. A polícia começou a pegar pessoas que antigamente se achavam inatingíveis, na questão do tráfico, do roubo.
Poços Já: Mas o que mudou na Polícia Civil para chegar a esse resultado?
Delegado: Mudou tanto a questão do investimento em logística, em viaturas. Antigamente nós não tínhamos viaturas descaracterizadas. Hoje não, hoje a Polícia Civil recebe mais viaturas descaracterizadas do que caracterizadas, como tem que ser. A Polícia Civil tem que trabalhar à paisana, sem chamar atenção. Outro detalhe foi a admissão de pessoal. Para escrivão e investigador, o nível é universitário. A questão salarial foi gradativamente aumentando, e isso acirrou a disputa para entrar. A gente trabalha hoje com um corpo de delegados de primeiro nível. A regional de Poços de Caldas tem um corpo de delgados de dar inveja a qualquer órgão. Desafio qualquer um a dizer que tem um corpo de pessoas melhor do que aqui. Pessoas vocacionadas, acima de tudo, e com a qualidade fora do comum.
Poços Já: Resumindo, qual a sua linha de trabalho?
Delegado: A gente tem que gerir as coisas de uma forma bastante firme no combate ao crime. Lugar de bandido, criminoso, é na cadeia sim. A pessoa tem que pagar pelo que ela fez. Isso é um clamor da população, não podemos admitir que pessoas de bem fiquem à mercê de pessoas de mal. É trabalhar focando no bem estar da população em geral, que a população possa sentir realmente a sensação de segurança. Eu convoco todas as pessoas, principalmente a imprensa, que nos ajude nesse trabalho tão árduo que é a segurança pública.