Nesta sexta-feira (10) é celebrado o Dia Mundial da Saúde Ocular. Por isso, fomos até o médico oftalmologista Elias Donato. Conversamos sobre os principais cuidados necessários para uma boa visão e a respeito das cirurgias oculares, que são realizadas em Poços de Caldas com equipamentos dos mais modernos.
Porém, nosso personagem é mais do que um médico. Trata-se de um grande empreendedor, que construiu o maior hospital de olhos do sul de Minas Gerais. O local recebe pacientes do país todo e tem uma gestão que é referência quando o assunto é clínica médica. Mas dr. Elias não para por aí. É mais do que um médico e empreendedor. Ele também é um orquidófilo, apaixonado pelas cores e formas das plantas. E tem mais: trata-se de um líder nato, com uma característica peculiar: demonstra desapego ao poder.
Poços Já: O senhor é nascido aqui em Poços mesmo?
Dr. Elias: Nascido em Muzambinho. Vizinho, né? Nascido em Muzambinho, criado em Belo Horizonte. Fiz universidade e pós-graduação lá em Belo Horizonte, depois vim pra cá. Em 1975.
Poços Já: Quando começou o seu interesse por oftalmologia?
Dr. Elias: Na época da faculdade. Pelo aspecto da especialidade ser muito objetiva, a minha memória é muito visual. Eu dava aula de biologia e de física, então eu gostava muito do que era ligado a isso. Na verdade, a oftalmologia é a medicina aplicada à física, ou o contrário. Isso melhorou muito, me ajudou muito durante a minha atividade profissional o tempo todo. Já tem 40 anos que eu estou aqui.
Poços Já: Formou na UFMG
Dr. Elias: Formei na UFMG, trabalhei com o professor Hilton Rocha, um dos melhores em oftalmologia do mundo, lá em Belo Horizonte, na UFMG mesmo. Fiz especialização, depois em 1980 eu fui para a Espanha, no Instituto Barraquer, morei lá um tempo. Mas eu completei 40 anos de Poços de Caldas.
Poços Já: Por que o senhor veio para Poços de Caldas?
Dr. Elias: A Associação Médica local me convidou, dizendo que estava precisando de oftalmologia e tal.
Poços Já: Aí gostou da cidade.
Dr. Elias: Muito, né? Quarenta anos, quatro filhos aqui. É uma cidade boa de viver. Muito boa.
Poços Já: Qual a história da sua clínica?
Dr. Elias: Eu comecei morando no consultório que era em frente ao Hotel Jóia, ao lado da Clínica do doutor Jason Cruz. Só que essa casa foi demolida. Depois eu comprei a casa que é o Pizza na Roça hoje. Aí criamos o Centro de Microcirurgia Ocular. Começamos em 1986 a fazer as cirurgias lá, em vez de operar na Santa Casa. Foi aí que nós começamos o sistema que se chama “outpacient”. O sujeito chega, opera e vai embora. Ele não interna. Ali nós ficamos 16 anos, na Corrêa Neto 473. Depois nós construímos o Edifício Enterprise, mudamos para o Edifício Enterprise, onde criamos o Centro de Laser e Microcirurgia Ocular.
Ali nós começamos as primeiras cirurgias a laser, retina, etc. Ficamos mais de 16 anos. Um dia eu estava subindo a escada do térreo e tinha uma fila de pacientes na escada de incêndio. Aí eu falei: “Agora não dá mais, tem que construir a clínica”.
Poços Já: Quanto tempo demorou a construção?
Dr. Elias: Em um ano e meio nós fizemos aqui estrutura de ferro, pré-moldado, muito rápido.
Poços Já: É um prédio grande, o senhor já estava se preparando para esse crescimento.
Dr. Elias: Preparando para o crescimento, já estamos fazendo a expansão com mais três consultórios. A partir do mês que vem tem mais três. É grande mesmo, com tecnologia e material de ponta.
Poços Já: A tecnologia esta sempre muito ligada à oftalmologia e sempre foi uma preocupação sua?
Dr. Elias: Tecnologia médica é muito cara. Então a gente sempre investiu comprando o que tinha de melhor. Logicamente, aquilo ia ficando obsoleto, nós tínhamos que vender e comprar de novo. O que tem de melhor em máquina para operar retina, catarata, laser, cirurgia de miopia, parte de ceratocone, estrabismo, tudo nós temos aqui. É um processo de 40 anos de evolução.
Poços Já: A gestão da clínica também é diferenciada?
Dr. Elias: Nós temos um software que nós desenvolvemos aqui que está servindo de exemplo para o resto do Brasil, que se chama Eagle. Esse software deve entrar no mercado, porque a metodologia de atendimento nossa e de gestão é muito superior às demais clínicas brasileiras. E o modelo de atendimento também. Não sei se você reparou, a clínica é toda segmentada. Você vem, tem um fluxo de atendimento que lembra um aeroporto. Você não tem que voltar na recepção, não tem filas. Tem uma série de itens que facilita muito a vida do paciente. Com isso, nós tentamos reduzir muito o tempo que o paciente fica aqui. Mas isso é dentro do possível, porque a gente depende, quando o paciente é de convênio, de autorizações.
Poços Já: E quanto à medicina?
Dr. Elias: O objetivo do Instituto Donato foi sempre fazer uma medicina de altíssima qualidade, nos patamares de interior. Então a gente consegue fazer uma medicina que é praticada em todo o mundo, nos Estados Unidos, na Europa, no Japão, com as melhores máquinas, a um preço acessível ao pessoal. A gente tem na verdade não só a clientela regional, nós temos clientes do Brasil inteiro aqui. Hoje a gente tem uma média de 400 cirurgias por mês, com um nível de segurança muito alto, um nível profissional muito alto.
Poços Já: O atendimento aqui é apenas para planos de saúde e particular, certo?
Dr. Elias: Só plano de saúde e particular, mas atendemos convênios com prefeituras. Nós temos uma prestação de serviços que não é via SUS, mas é via prefeitura. O paciente mais carente também é atendido.
Poços Já: Até porque esse tipo de atendimento não existe no SUS.
Dr. Elias: Não existe no SUS, mas eles são atendidos de uma forma indireta, através dos convênios com as prefeituras.
Poços Já: Como foi a fundação do Banco de Olhos?
Dr. Elias: Em 1978 nós fundamos o primeiro Banco de Olhos do Estado de Minas Gerais. Naquela época, a lei permitia que nós fundássemos, junto com o Lyons, o Rotary Club, algumas forças sociais da cidade, e exercêssemos a atividade. Nós chegamos a fazer uns cem transplantes de córnea, aqui, beneficiando os pacientes da cidade e da região. Depois o processo passou a ser mais federativo, através do MG Transplantes. Nessa época, como houve um hiato, nós suspendemos. Paramos de fazer. Coincidiu um pouco com aquele problema do…
Poços Já: Do Pavesi.
Dr. Elias: Isso. Foi um pouquinho antes. Mas não tem nenhuma ligação.
Poços Já: Os transplantes eram feitos na clínica?
Dr. Elias: Nós trabalhamos durante dez, 20 anos na Santa Casa e depois passamos a operar na nossa clínica só. Nós não operávamos na Santa Casa, mas os pacientes de SUS a gente tinha que atender na Santa Casa. Não temos o credenciamento do SUS até hoje.
Poços Já: Como funciona o banco? Guarda-se a córnea?
Dr. Elias: O transplante de córnea naquela época era feito a fresco. Tinha o óbito, ia lá, buscava, colocava antibiótico, já levava para a sala e operava de madrugada. Hoje existe uma solução que preserva a córnea 48, 36 ou mais horas. Você consegue planejar melhor.
Poços Já: A respeito da saúde ocular, quais os principais cuidados com para prevenir problemas na visão?
Dr. Elias: A sociedade tem que prestar muita atenção nos cuidados da saúde ocular, principalmente na infância. Eu sempre costumo dizer que no cartão de vacinação deveria ter um exame oftalmológico. Falo isso há quarenta nos. O primeiro exame oftalmológico bem feito pode evitar, às vezes, uma perda de visão e recuperar. A visão é recuperável até sete, oito anos, depois não é mais. Na criança.
Poços Já: A catarata também é muito comum.
Dr. Elias: O segundo fator de perda de visão é a catarata. As pessoas demoram muito para operar e o segredo da catarata reside em quanto mais cedo operar, mais fácil a cirurgia e melhor a qualidade de vida. Existe um hábito antigo que a catarata tinha que amadurecer. É o contrário. Quanto mais mole, mais jovem ela estiver, mais fácil é operar.
Poços Já: Há uma perda de visão natural?
Dr. Elias: O ser humano vai perdendo, depois dos 50 anos, suponhamos, um porcento ou dois de visão ao ano. E o cérebro vai acostumando com a perda de visão, acha que é normal. Só vai entender que não está normal depois que opera.
Poços Já: As cirurgias tem um pós-operatório relativamente tranquilo. O que o senhor diria para quem tem medo de operar?
Dr. Elias: Por exemplo, a miopia. A cirurgia de miopia leva quatro minutos. E é possível fazer a cirurgia sem tocar no olho. Só a laser. São duas gotas de colírio anestésico. Aí põe uma lente de contato, que é o curativo, a pessoa já sai enxergando meio embaçado. Depois de 10 dias a 30 a visão melhora muito.
Poços Já: São cirurgias muito precisas.
Dr. Elias: Muito precisa. Hoje, o laser, o computador dele acompanha até os micro movimentos oculares.
Poços Já: Diabéticos precisam ter mais cuidados?
Dr. Elias: Diabéticos têm que ter muito cuidado com as lesões de fundo de olho, catarata e também glaucoma. Tem que cuidar muito, desde cedo. Diagnosticou diabetes, ir imediatamente ao oftalmologista.
Poços Já: Qual a frequência que o senhor recomenda de visitas ao oftalmologista?
Dr. Elias: Uma média de uma vez ao ano é o ideal, pelo menos. Quem usa lentes de contato, fazer sob supervisão médica sempre. Lente de contato não é igual pasta de dente, que você compra em qualquer lugar. Tem que ter supervisão médica, para evitar lesões graves na córnea que a lente pode causar quando o paciente é mal orientado.
Poços Já: Óculos também são perigosos se não forem bons?
Dr. Elias: Me preocupo muito com o pessoal usar óculos de camelô e lente de contato comprada em internet. Podem causar muitas marcas na córnea que às vezes nós não conseguimos resolver, úlceras graves de córnea. Às vezes , infecção por fungo. O descaso de chegar de uma noitada e dormir com uma lente de contato contaminada pode dar problema.
Poços Já: O senhor cultiva orquídeas. Como começou esse hobby?
Dr. Elias: A minha paixão por orquídeas começou para arrumar um hobby, para desestressar das cirurgias. Um dia eu resolvi. Tinha o hábito de pescar, ia para o Araguaia. Um dia eu não estava prestando atenção no peixe, estava olhando para as árvores. Aí comecei a cultivar orquídeas. Isso tem uns 18 anos já.
Poços Já: As suas orquídeas são comercializadas?
Dr. Elias: A gente comercializa para colecionadores. Sou mais um colecionador e faço pesquisa de cores e formas, como o ciclo de orquídeas dura seis anos. Polinizou hoje, para ver uma filiação, e vão sair duzentas orquídeas desse cruzamento. Mando para o laboratório. Ela vai florir daqui a seis anos. Se você fizer um trabalho científico de cruzar essas para a geração dois, leva 12 anos o ciclo. É sempre um ciclo muito longo.
Poços Já: É um trabalho científico e específico como a oftalmologia.
Dr. Elias: É mais o zelo, o olho, a mão, o amor, a paixão pela planta. Mais isso do que na verdade a habilidade microcirúrgica, isso não. Olha o tamanho da minha mão. Sempre operei muito bem, mas só com microscópio. Eu preparei isso mais para a minha aposentadoria, para trabalhar em uma coisa que debandasse menos estresse e mais prazer.
Poços Já: E tem planos para a aposentadoria?
Dr. Elias: Eu já parei de mexer com medicina, hoje eu só faço a gestão da clínica.
Poços Já: E vai parar com a gestão?
Dr. Elias: Não sei, vamos ver. Isso aqui tem que profissionalizar. É uma empresa familiar, começou como consultório. Foi crescendo, virou uma clinicazinha, uma clínica média, de repente um hospital de olhos. A ideia nossa é fazer uma gestão profissional da empresa, não familiar só. Em que os membros da família tenham opinião, mas os outros também opinem. É uma sociedade um pouco mais aberta, democrática, diferente das outras. Aqui não tem autoritarismo, tem democracia. O mais importante é deixar uma filosofia de trabalho sólida, de continuidade na empresa. O poder é transitório.
Poços Já: O senhor acredita que a democracia contribui para o sucesso?
Dr. Elias: Acho que sim. O ambiente de trabalho, quem não se adapta indo no rumo da qualidade, da boa índole, do bom resultado, quem está visando só dinheiro não fica aqui muito tempo.
Poços Já: Pude perceber que o clima aqui é leve, tem até uma biblioteca.
Dr. Elias: É leve. Eu montei aquela biblioteca para os funcionários. Peguei os livros quase todos que estavam lá em casa, mas ainda tem um tanto para trazer. A ideia no futuro , quando for ampliar o Instituto, é fazer uma praça aqui no estacionamento, deixar a coisa mais leve mesmo. São 70 funcionários, 90 famílias que dependem do Instituto Donato. Não é brincadeira. Isso num espaço de quatro anos em meio. É uma responsabilidade.