Havia anos que eu tinha interesse em assistir a um filme nacional denominado “Anahy de las missiones”, produzido em 1997 e dirigido pelo cineasta Sérgio Silva. Na última semana eu o fiz. Na obra, o diretor construiu uma saga gaúcha em que a personagem que dá nome ao filme, Anahy, perambula pelos pampas rio-grandenses durante a Revolução Farroupilha, mais conhecida como Guerras dos Farrapos, que se estendeu de 1835 a 1845.
Anahy traz com ela os filhos, que arrastam penosamente uma carroça, e tenta manter a família unida diante da brutalidade da guerra. Mas suas pretensões aos poucos vão se desfazendo, com a perda de dois dos filhos e a gravidez inesperada da única filha. No final da história ela chega a uma triste conclusão: durante todo o tempo esteve tentando “entortar a natureza”. O comentário diz respeito à sua vida, que foi vivida sempre contrariando a natureza das coisas.
Gostei muito da expressão “entortar a natureza”. Engraçado como uma coisa puxa outra… Acho que esta mesma expressão pode ser aplicada às ações cotidianas do ser humano sobre a face do planeta, ocupando e destruindo continuamente as áreas naturais. Literalmente, há tempos que estamos somente “entortando a natureza”.
Quando, nesta época do ano, vejo na TV essas tristes imagens de cidades e áreas rurais sofrendo com inundações e desmoronamentos, eu imagino que a expressão poderia ser utilizada para designar o que fizemos com o meio ambiente. Até que conseguimos entortá-lo, mas só durante algum tempo. De vez em quando a “natureza torta” reage, retomando seus espaços.
O problema é que, ao se desentortar, a natureza tritura tudo ao redor e se reconstrói. Nessa reconstrução ela pode incluir todos os bens móveis e imóveis colocados indevidamente sobre sua superfície. Por vezes inclui também os seres humanos responsáveis pelas intromissões indevidas.
Outros fenômenos também podem ser contabilizados na conta dessas interferências inconvenientes no meio ambiente. Os eventos extremos que ora observamos, como o calor exagerado no hemisfério sul e as baixíssimas temperaturas do hemisfério norte, são exemplos acabados do destempero do planeta. Essas ocorrências extraordinárias, decorrentes do aquecimento global, foram previstas há anos por cientistas. Que não foram levados a sério.
E nos dias atuais, mesmo diante de tantas tragédias climáticas, ainda tem gente que duvida das mudanças devidas a tal fenômeno. Governos de todo o mundo ignoram tacitamente todos os alertas e continuam apoiando a expansão indiscriminada da industrialização e das fronteiras agrícolas.
Até quando continuaremos a entortar a natureza? E até quando a natureza aceitará ser entortada sem reagir? Ninguém sabe! Pode ser muito tarde quando descobrirmos que a natureza não suporta mais ser dobrada e redobrada. Aliás, pra muita gente já é tarde. Pra todos esses desalojados e desabrigados pelas enchentes e deslizamentos já é muito tarde.
Há muitos outros que ocupam áreas indevidas, no país e no resto do mundo, e para os quais ainda há tempo. Mas tais indivíduos não são vistos como humanos pelos políticos. Eles são vistos como eleitores, fácil e frequentemente manipulados. Assim sendo, na visão gananciosa dos políticos, o ditado se inverte: é mais fácil – e infinitamente mais proveitoso – remediar do que prevenir.