Prezados amigos e leitores, nesta oportunidade falaremos sobre um assunto que teoricamente deveria ser algo comum e banal mas que, no entanto, tem se apresentado muito mais complicado do que deveria: a dificuldade perante a palavra não. Mas o que pode tornar algo tão simples, em algo tão difícil para algumas pessoas?
Podemos pensar sob dois ângulos: primeiro, o ponto de vista de quem fala, daquele fulano que precisar dizer o não; segundo, do ponto de vista do fulano que precisa ouvir o não.
Hoje falaremos desse último caso, a dificuldade em ouvir o não, dificuldade tal que pode ter sido gerada no cidadão desde sua segunda infância, que tem início lá pelos 3 anos de idade, e que configura a principal fase da famosa “colocação de limites”. Neste período, o não dos pais – ou de qualquer outro sujeito adulto que se relaciona com a criança – é extremamente importante, para que a criança assimile, “coisas que posso, coisas que não posso; coisas que eu devo, coisas que eu não devo; coisas que me convém fazer ou não”. Por isso, é uma fase em que a criança “testa” os limites, sendo normal que alguém diga a ela o que não pode ser feito.
O que temos visto, porém, é exatamente a falta desse movimento: a criança faz birra (o que também é normal), mas os pais não sabem lidar com essa birra. Resultado: acabam cedendo, e a criança passa a ter tudo o que quer, a fazer o que quer, e quando quer. A princípio, pode parecer bobeirinha, mas a longo prazo, pode se tornar um desastre. E aí, enxergamos o porquê temos crianças que mandam nos pais. Ora, se a criança pensa que pode tudo e que nem seus pais conseguem lhe dar um basta, será que ela estará preparada para um não de outra pessoa? Será que ela estará preparada para os muitos nãos que a própria vida lhe imporá? Não.
A vida nem sempre é do jeito que esperamos, planejamos ou queremos. De fato, ela quase nunca o é. Os nãos começam cedo: na escola, nas relações, na vida amorosa, nas oportunidades de emprego, etc. E faz parte de uma boa saúde mental saber lidar com tais frustrações, que entrarão em nossas vidas sem convite nem horário marcado.
Contudo, muita gente não consegue lidar com isso. Tornam-se pessoas com baixíssima tolerância à frustração, e não conseguem receber um não devidamente bem dito, sem que tenham crises histéricas. E a vida se torna muito angustiante, pois o não está presente em nossas vidas tanto quanto o sim. Ou seja, se a negação permanecer ausente (ou velada) durante a infância, e ao seguir das próximas fases de desenvolvimento, a tendência do sujeito se tornar um adulto intolerante é grande. Claro, nunca é tarde para aprender a ouvir o não – os adultos também precisam que lhe coloquem limites, as vezes até mais do que as crianças – mas neste caso, a regra é clara: quanto mais cedo, melhor.
A vox populi tem mesmo razão quando sugere que educação vem de berço. O não também vem de berço. É lá que a gente aprende, ou deveria aprender, a entender o significado destes advérbios, que nos seguirão até nosso último suspiro, quando eles realizarão seus papéis uma última vez: o não à vida, a negação do direito de permanecer vivo, e o sim à morte, a afirmação do direito de morrer. E como as coisas seriam diferentes se as pessoas soubessem apreciar estes últimos nãos e sins!
Neste sentido, e pra finalizar, eu gostaria de lançar uma polêmica: o ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente), sem dúvida, é um grande passo para a evolução dos direitos humanos no nosso país, e uma ferramenta muito importante para a preservação e o respeito às nossas crianças. Mas eu me pergunto: até que ponto ele tem tirado a autoridade dos pais (e também dos professores), e tem prejudicado a colocação de limites? Claro que eu, como psicólogo, devo mesmo acreditar, apoiar e divulgar qualquer estatuto de defesa ao ser humano, principalmente a favor daqueles que não têm capacidade de se defender. Mas vale também questionar a representação que isso assume perante a sociedade. Pode parecer absurdo, mas em muitas situações, o ECA virou uma ferramenta de chantagem. Como todas as leis que garantes direitos, os deveres quase sempre são negligenciados. O direito passa a ser ataque, não mais defesa e, assim, se criam fulanos que possuem uma grande arma contra o não. Parece mesmo que os direitos humanos estão evoluindo, mas a capacidade do homem de usufruir destes direitos, não.