Caros amigos e leitores, nesta coluna tenho lançado temas relacionados à psicologia, envolvendo saúde mental, relacionamentos sociais, bem-estar psíquico, etc. Desta vez, acho oportuno falar sobre a própria psicologia.
De fato, existe toda uma mística envolvendo essa profissão, que muitas vezes é mal interpretada por falta de conhecimento e informação. Portanto, gostaria de utilizar esse espaço também para esclarecer questões que possam surgir, relacionadas a esta profissão. Como sempre, as opiniões, questionamentos e sugestões dos leitores são muito bem-vindos.
A psicologia como profissão carrega muitos “estigmas”, concepções muitas vezes equivocadas de como ela realmente funciona. Embora seja praticamente impossível entender a psicologia com um esquema de pergunta x resposta, tentarei esclarecer alguns pontos desta maneira, para tentar ilustrar de forma bem simples (porque, na verdade, é um tema bem mais complexo) alguns aspectos principais deste campo profissional. Aqui, darei uma atenção maior à atuação clínica do psicólogo, considerando que é apenas uma de suas áreas, dentre muitas, como veremos a seguir.
P: Psicólogo é adivinho ou vidente?
R: Não. Nunca foi e nunca será. Como já dito, existe uma mística em torno da psicologia, pois muitas vezes o psicólogo percebe coisas que não haveria como ele perceber com “métodos convencionais”. Não se trata de nada místico, mas sim de ciência.
A psicologia conta com um sério aparato cientificamente comprovado de teorias, técnicas e testes que, a nível leigo, podem aparentar “magia” ou clarividência, mas de fato não tem nada a ver com isso. Trata-se de técnicas científicas aliadas à sensibilidade profissional e uma pitadinha de intuição.
Além disso, uma das funções de um psicólogo, em alguns casos de consultas e entrevistas psicológicas, é fazer o sujeito enxergar coisas que ele sozinho não consegue, na maioria dos casos por não aceitar alguma verdade. E pra isso, não precisa ser nenhum adivinho.
P: Psicólogo só cuida de louco?
R: Não. Mas é preciso contextualizar. Durante muitos anos, e até os dias atuais, tem-se a concepção de que o tratamento psicológico é indicado para “loucos” ou pra quem sofre de problemas mentais. Mais vulgarmente, os profissionais PSI (psicólogos, psiquiatras, psicanalistas) chegam a ser considerados “médicos da cabeça”, ou pessoas que ajudam quem tem “problemas de cabeça”. Ressalto que o tratamento psicológico pode se apresentar com vários nomes (psicologia clínica, psicoterapia, análise, psicanálise, etc), todos, porém, com basicamente a mesma função.
A psicologia, em seu contexto clínico, surgiu a partir de demandas específicas relacionadas à doença mental e desajuste social. Durante décadas, foi se desenvolvendo com um caráter estritamente curativo: se fulano era louco, psicólogo nele.
No entanto, com o decorrer dos anos, tal concepção foi mudando. O próprio contexto clínico, que antes tinha um caráter estritamente de cura, hoje é utilizado para um caráter preventivo. Hoje muitas pessoas procuram um psicólogo não porque estão loucas ou doentes, mas simplesmente porque querem se desenvolver enquanto pessoas, saber lidar melhor com as próprias questões, se tornar mais conscientes de si.
P: Psicólogo é coisa de rico?
R: Não. Mas já foi. Historicamente, só quem tinha dinheiro suficiente para cobrir os honorários do psicólogo conseguia utilizar esse recurso. Nem precisa dizer que era um sistema absurdamente injusto: se tiver dinheiro, tem tratamento. Se não tiver, fica sem tratar. Grosso modo (e infelizmente), é o que tem acontecido com a medicina no Brasil atualmente. A presidente do país está buscando uma solução (muito questionável, diga-se de passagem) para o enrosco . Polêmicas à parte, voltemos a falar de psicologia.
Com o decorrer dos anos, com a evolução da psicologia e o desenvolvimento de sua classe profissional, sua aplicação se estendeu para outros setores. A atuação da psicologia se estende não apenas ao contexto da saúde (tanto privada quanto pública), mas também das ciências sociais, da educação, empresarial, esportivo, coorporativo, das políticas públicas, etc. Resumindo, onde há ser humano, há psicologia. E hoje, temos uma psicologia altamente acessível a praticamente toda a população.
P: Psicólogo ganha bem?
R: Próxima pergunta, por favor.
P: Todo mundo precisa de psicólogo?
R: Este é uma questão filosófica, e por isso, não há resposta correta. Há quem diga que sim, há quem diga que não. Mas a importância maior dessa pergunta é justamente lançar as discussões.
O argumento de alguns é que, durante milhares de anos, a humanidade sobreviveu e evoluiu sem que existisse a psicologia. Mas vamos considerar que a psicologia já existia, apenas não era uma profissão consolidada, pois desde o princípio já existiam práticas que podemos considerar como psicologia, ainda que arcaica e precária.
Então sabemos que, de certa forma e em um certo nível, o ser humano sempre precisou da psicologia. Mas claro que ainda encontramos resistências em falas como “Eu não preciso de psicólogo, eu não estou louco!”. Portanto, o questionamento acima continua sem resposta. Todo mundo precisa de psicólogo?
Cada um sabe a dor e a alegria de ser aquilo que é, cada ser conhece o peso de seu próprio fardo. Se fulano precisa ou não de psicólogo, parece ser uma questão extremamente íntima e pessoal. O que posso afirmar neste sentido, a nível muito pessoal, é que durante muitos anos eu frequentei e ainda continuo frequentando consultórios de psicologia. Sempre me fez muito bem, obrigado. Ah, e eu não sou louco.
P: Quando devo procurar um psicólogo?
R: Você deve procurar um psicólogo quando houver alguma questão em sua vida que está te impedindo de “seguir em frente”, que está prejudicando seu funcionamento normal. Tais fatores podem ser internos (uma dificuldade de adaptação, ou medos e fobias, por exemplo), externos (o rompimento de um relacionamento, a morte de um ente próximo), ou ainda uma soma de vários fatores.
No entanto, você pode procurar um psicólogo a qualquer momento da sua vida. A sabedoria popular não falha: é melhor prevenir do que remediar. Trata-se de um investimento muito interessante, e quando digo investimento, não me refiro apenas ao investimento financeiro, mas sim ao investimento psíquico. Investir tempo, investir dedicação, investir energias. Costuma render bons frutos.
P: Como um psicólogo pode me ajudar?
R: Como dito, a psicologia não serve só pra louco. E ela pode ser um recurso muito interessante para aprendermos a lidar com as próprias questões problemáticas.
Todos temos problemas, todos temos defeitos, todos cometemos erros. O maior erro que fulano pode cometer é achar que ele não comete erros. Ele se torna convencido de que toma somente decisões acertadas. Isso desgasta seus relacionamentos interpessoais – ora, se os desentendimentos não são culpa dele, com certeza serão culpa do outro – afetando sua vida pessoal, social e profissional. Claro, todos temos nossas qualidades, das quais nos orgulhamos, mas não vivemos somente de glórias.
Um profissional da psicologia está preparado para avaliar nossa conduta, identificando erros e defeitos, acertos e qualidades, e ajudando-nos a aprender a lidar com os próprios sucessos e fracassos. E, mais do que isso, a aprender a lidar com quem realmente somos. E pra isso precisamos saber quem realmente somos. Trata-se de um profundo mergulho em si mesmo.
Aqui, estamos falando em geral da psicologia clínica. Mas é claro que a psicologia pode nos ajudar em muitos outros sentidos, nos outros campos de atuação citados anteriormente. Com certeza, teremos outras oportunidades para abordar o funcionamento dessa profissão em outros contextos.
P: O psicólogo tem a solução para os meus problemas?
R: Não. Nem o psicólogo, nem o advogado, nem o padre, nem o Buda. O único que tem a solução pros seus problemas é você mesmo. Os outros só podem ajudar a identificá-los e saber lidar com eles. Mas o único responsável sempre será você próprio.
Para finalizar, caros leitores, tentei resumir pra vocês um pouco do que é a psicologia, abordando alguns mitos e verdades que a cercam. Óbvio que é bem mais complexa, mas espero que esses comentários tenham sido de alguma valia e despertem seu interesse nessa profissão cercada de mistérios, mas também de uma ciência séria e inteiramente dedicada ao ser humano e suas estranhezas.
*O autor é psicólogo
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