Prezados amigos e colegas leitores, para o artigo de hoje, por sugestão do amigo e leitor Clayton Passos, o tema será o esforço que “temos” que fazer, todos os dias, para agradar ao outro. “Temos”, aqui, aparece entre aspas porque na realidade não temos, não somos obrigados a nada. Contudo, na maioria das vezes, fazemos isso de modo tão automático que, guiados pelas sombras do subconsciente, é “como se” fizéssemos por obrigação. E isso não é construção intelectual, mas sim puramente inconsciente.
Obviamente, tal tema é muito amplo e, como já dito nos artigos anteriores, utilizamos este espaço apenas para fazermos questionamentos, lançarmos uma semente de reflexão, incentivados a sairmos da inércia de nossas vidas. Comentários, críticas e sugestões são sempre bem-vindos, e com certeza ainda teremos assunto pra muita discussão. Assim sendo, nessa oportunidade, daremos apenas um pontapé inicial ao tema, que será continuado em oportunidades posteriores.
Pois bem, o fato de querer agradar ao outro passa por um mecanismo muito simples, mas cuja elaboração não é nada simples: a necessidade de aceitação. Ora, precisamos agradar porque precisamos ser aceitos. E a não aceitação do outro, para alguns, é algo tão terrivelmente insuportável que pode se converter em complexos, neuroses e doenças psicológicas ou sociais. Claro que se trata de algo bem mais complexo. Grosso modo, psicopatologias como a sociofobia ou, em termos técnicos, o Transtorno Ansioso Social, são causadas basicamente pelo medo de não ser socialmente aceito.
Tal dificuldade pode ter várias origens. Alguns autores psicanalistas postulam, por exemplo, que na infância o medo da não aceitação pode vir do fato de a criança jamais ter se sentido aceita pelos pais, ou por situações onde não houve investimento nela (psíquico, e não financeiro) suficiente e/ou adequado.
Quando nasce um bebê, por exemplo, vemos pais meio que abobalhados, dizendo coisa do tipo “Este neném será um grande músico”, ou “minha filha será uma excelente atriz”, etc. Pode parecer bobeira, e realmente é, pois naquele bebê nada mais existe além de carne, osso e expectativa. Não existe inteligência, habilidades ou qualquer outra qualidade no recém-nascido que convença seus pais de que tal fulano possa vir a se tornar um grande artista, ou um esportista de sucesso.
De fato, naquele momento, a única coisa que tal cérebro pode processar, e ainda assim de maneira extremamente arcaica, é mamar e chorar quando sente fome ou dor. Mas esse “abobalhamento” por parte dos pais reflete um bom sinal: antes mesmo de qualquer sinal de inteligência do bebê, já existem expectativas dos pais (avós, tios, etc.), já existe investimento, e tal investimento psíquico pode ser determinante para um desenvolvimento saudável. De certa forma, é esse investimento que irá tirar a criança de seu comodismo, pois mais tarde ela irá pelo menos procurar merecer tamanha expectativa.
Também na adolescência, frase de confrontação, de angustias e questionamentos existenciais, e posterior consolidação da personalidade, tal medo da não aceitação e da reprovação aparece muitas vezes de forma avassaladora; é o momento de entrar em “grupos”, de se comportar de maneira estereotipada, de usar roupas parecidas ou iguais, de começar a fazer uso de cigarro, álcool e drogas, de ouvir as músicas mais horrendas, tudo isso em nome da aceitação. Na adolescência há um lema, ainda que de maneira camuflada: seja igual a nós, ou vá procurar a sua turma. É aí que começam a aparecer sinais de desajuste social, para aqueles que sofrem dessa problemática. Até certo ponto, é natural que isso aconteça. Porém, passado esse certo ponto, a coisa começa a ficar preocupante.
E aí vem a vida adulta na qual, de maneira mais camuflada ainda – quase invisível – porém muito mais avassaladora, tal lema é obrigatório e ressoa no nosso inconsciente: se enquadre ou fique por fora.
Neste contexto, surge a moda. Surge a preferência por times de futebol. Surge a música pop. Surgem tantas outras formas de se “enquadrar” e de “estar por dentro”. Se pensarmos de maneira racional e fria, tais movimentos nada mais são, a não ser pretextos para lidar com a insegurança de que cada um de nós é o único responsável por si próprio. E que a necessidade da aceitação do outro nada mais é do que a dificuldade em aceitar a si próprio.
Fato: aquele que aceita a si próprio não necessita da aceitação alheia. Passa a viver de maneira autêntica, e dá sentido à sua existência. Consegue ser educado e polido, sem a necessidade de aprovação. Vale colocar que a necessidade de aceitação não tem nada a ver com a boa educação. Não há esforço nenhum nisso, diferentemente de quando abandonamos nosso próprio eu para sermos acolhidos e aprovados pelo outro.
Porém, aceitar a si próprio não é tarefa simples, fácil, sequer rápida. Trata-se de um profundo mergulho no ser, um processo muito delicado de autoconhecimento. E pra isso não há fast-food. É uma reflexão muito íntima e profunda, e a psicoterapia ou análise podem ser ferramentas muito úteis nesse contexto.
Concluindo, precisamos de uma vez por todas aprender a fazer essa separação. Não é necessário ser estúpido ou arrogante com o outro, e na verdade nem precisamos mostrar ou provar que não necessitamos de aprovação. É um paradoxo curioso, pois se fulano tenta provar ao outro que não precisa da sua aprovação, automaticamente está fazendo isso para ser aprovado. Ao contrário, ser educado, cortês e gentil não é necessidade inconsciente, mas sim bom senso. Para finalizar, uma frase que certa vez ouvi do próprio inspirador do tema, meu amigo Clayton: “Bom senso e canja de galinha não fazem mal a ninguém”.
O autor é psicólogo.
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